segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Get up, stand up Don't Give up the Fight

Gosto de alguns rituais. Deixando de lado os obssessivos, que faço, evidentemente, entre os que tenho carinho
há um que se repete duas vezes ao ano: a faxina.Os astrólogos consideram nosso aniversário como um ano novo pessoal. Como se fosse o fechamento de um ciclo(kármico), época de fazer faxina, seja ela mental ou real, jogar fora papéis, sentimentos, desgarrar das correntes que arrastamos, enfim, limpar-se e abrir-se para o novo.

Esse mito da limpeza, da faxina, também se dá no ano novo. É evidente que nada muda de forma radical do dia 31 para o dia 1º.Os fogos de artifício e as taças de champagne, embora muito agradáveis, não fazem milagres.É fato que essa "varredura" deve ser cotidiana, são os lutos ocasionais que temos que fazer. Mas esses mitos das datas nos impulsionam a estabelecer tratos conosco. A criar metas, a desejar algo a ser realizado, a se fazer promessas. De certa maneira, o nosso coração se enche de esperança para o que está por vir. Talvez nem imaginemos o que vem. Às vezes criamos expectativas. Mas mesmo que imaginariamente projetemos um caldeirão de ilusões, é um momento de frio na barriga que pode ser prazeroso.

As minhas faxinas que, por conta da cultura, costumam se dar de 6 em 6 meses (já que nasci no meio do ano) são assim. Às vezes nostálgicas, tenho que confessar. Às vezes varridas com gosto, tamanha a quantidade de coisas que tenho que jogar fora. Mas sempre têm esse mistério. O novo (que às vezes pode ser o mesmo velho cotidiano) que está por vir.

A minha faxina já começou. Essa introspecção que toma conta é um pouco resultado disso.Nos fins dos anos é quando sento e tento escrever, transmitir com palavras toda essa confusão que se passa.É verdade que nada se arruma, nada se aquieta, essa é outra ilusão. Mas é importante essa ação de jogar papéis fora.Para mim, tem o poder de amenizar certas coisas e acentuar outras.2009 foi (ainda está sendo, na realidade) um ano de luta, de descrença, mas, ao mesmo tempo, de aprender a ter fé.
Uma profusão de acontecimentos, muitos deles com vontade de fugir, outras vezes com obrigação de lutar, por que a vida é luta.

Deparar-me com minhas imperfeições, com minha resistência, ainda que minimamente, foi angustiante e certas vezes, muito bom. Posso dizer que foi uma confusão, como é em todos os anos. Mas com uma dose, ínfima é verdade, de aprendizado. E o mais importante deles, que é proclamado por tantos poetas, e que hoje escolhi o de Bob: "Get up, stand up /Don't giv up the fight".

Ainda que na música ele levante bandeiras, o que não é o caso aqui, gosto da canção, principalmente do refrão e da frase a seguir. "Almighty God is a living man"

É isso... Pra 2010, que eu não desista de lutar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Urgência

As dívidas se acumulam, mas algo em mim urge.

quero rir um riso franco
ainda que amarelo
e não branco
um riso sincero
que mostre que eu quero
uma vida mais leve
feito a pena da ave
assim, entregue
como um piloto na nave
livre a voar
sem sofrer, nem penar

quero um choro exagerado
ainda que mexicano
bem demonstrado
demasiadamente humano
um choro gritante
que mostre o suplício
de uma dor mais amena
uma libertação
dessa auto-pena

quero uma armadura
mais eficaz
porque essa arma dura
que porto, não me apraz
sintomaticamente mortifica
fantasiosamente edifica
fingindo uma paz

já disse o poeta
que a vida tem como meta
morrer
e se a paz é a morte
como manter-se forte
e viver?

se no fim das contas
o que se quer é o fim das contas
e é em nome da vida
se complicar
peço a todos os santos
ajuda
nesse eterno adiar

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Não pense que a cabeça agüenta se você parar

São muitas as dívidas: falar sobre a O homem da tarja preta, entrevista com Leonardo (biólogo – sobre as células), André Poubel (teatro), mas hoje me dedico a outro fato:

Não pense que a cabeça agüenta se você parar

Ontem fez uma semana que acordamos com a notícia de que Leila Lopes havia falecido. A princípio, para mim, era uma mera notícia da morte de alguém da mídia. Não acompanhei o sucesso de Leila Lopes nas novelas. Assisti “O Rei do gado”, mas não me lembro dela. Sua última participação na Globo foi em 1997, em Malhação. E a última novela que fez foi Marcas da Paixão, em 2000, na Rede Record. Em 1997 eu não acompanhava Malhação e também não assisti Marcas da Paixão.

Para ser sincera, só fui saber da existência de Leila Lopes quando ela, ao iniciar no cinema pornô, virou figurinha fácil em revistas e sites de celebridades, especificamente nos que sacaneiam as mesmas. E como não me despertou muita curiosidade, fiquei achando que ela era só mais uma prestadora de serviços da indústria do sexo.

Quando li a matéria sobre a morte de Leila, algo me chamou a atenção: suspeita de suicídio.Tenho uma curiosidade particular sobre os suicidas. Certas horas me arrebato de admiração por esse seres que têm coragem de abandonar a vida. Em outros momentos acho que são os maiores covardes da humanidade, aqueles que sequer suportaram os percalços e que não seguiram no processo de resistência. Talvez seja um maniqueísmo chinfrim da minha parte, quando na verdade o que importa não é coragem ou covardia nos seus sentidos puros, e sim cada ser humano e o que o levou a abandonar o barco, ou melhor, a cansar de resistir.

Li a suposta carta que Leila escreveu antes de morrer:

"Não chorem, não sofram, eu estou ABSOLUTAMENTE FELIZ! Era tudo o que eu queria: ter paz eterna com meu Deus e, se possível, com minha mãe. Eu não me suicidei, eu parti para junto de Deus. Fiquem cientes que não bebo e não uso drogas, eu decidi que já fiz tudo que podia fazer nessa vida. Tive uma vida linda, conheci o mundo, vivi em cidades maravilhosas, tive uma família digna e conceituada em Esteio, brilhei na minha carreira, ganhei muito dinheiro e ajudei muita gente com ele. Realmente não soube administrá-lo e fui ludibriada por pessoas de má fé várias vezes, mas sempre renasci como uma fênix que sou e sempre fiquei bem de novo. Aliás, eu nunca me importei com o ter. Bom, tem muito mais sobre a minha vida, isso é só para verem como não sou covarde não, fui uma guerreira, mas cansei. É preciso coragem para deixar esta vida. Saibam todos que tiverem conhecimento desse documento que não estou desistindo da vida, estou em busca de Deus. Não é por falta de dinheiro, pois com o que tenho posso morar aqui, em Floripa ou no Sul. Mas acontece que eu não quero mais morar em lugar nenhum. Eu não quero envelhecer e sofrer. Eu vi minha mãe sofrer até a morte e não quero isso para mim. Eu quero paz! Estou cansada, cansada de cabeça! Não agüento mais pensar, pagar contas, resolver problemas... Vocês dirão: Todos vivem! Mas eu decidi que posso parar com isso, ser feliz, porque sei que Deus me perdoará e me aceitará como uma filha bondosa e generosa que sempre fui. (...)” Leila Lopes.

Para ler na íntegra, clique aqui

“Vendo a vida passar
E essa vida é uma atriz
Que corta o bem na raiz
E faz do mal cicatriz
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é
A vida que se quer”
Refém da Solidão – de Paulo César Pinheiro e Baden Powell


Leila foi clara: queria a paz. A paz só existe na morte. A pulsão quer se satisfazer, quer morrer. Desde Freud, o pai da psicanálise, aos compositores populares Paulo César Pinehiro e Baden Powell isso fica claro. “Vai ver até que essa vida é morte /E a morte é /A vida que se quer”. A forma de resistirmos à vida é nos complicando, ou seja, adquirindo significantes. Leila era atriz e também foi apresentadora. O ator, esse que vive dos holofotes não só dos palcos e dos sets de filmagens, mas dos holofotes midiáticos, se agarram a que? Pelo pouco que sei de Leila, pude perceber que ela vivia de sua imagem. Uma mulher muito bonita, atraente e que fez sucesso por muitos anos. Junta-se a beleza que já lhe foi dada sem nenhum esforço, com a pompa do sucesso, a vivência do glamour e o que sobra? Viveu apenas da imagem e do sucesso. Só que os dois acabam. Ela foi transparente: “Eu não quero envelhecer e sofrer”.

Todos pensavam que ela tinha 40 anos, quando em sua morte, soube que ela tinha, na realidade, 50. Lidar com o corpo em degradação é complexo para todo mundo, mesmo para os que a vaidade não é tão intensa. Quando começamos a perder elasticidade, quando temos que diminuir nosso ritmo porque não agüentamos correr, ou quando nos abaixamos e sentimos dor, tudo isso mostra escancaradamente as nossas limitações. Para quem vive da imagem, o envelhecimento deve ser um sofrimento desmedido. O sucesso também é efêmero, ainda mais quando se produz o comum, o que está na mídia e é facilmente substituído. O que não é singular, raramente é perene. Mas isso não é uma crítica a Leila. Cada um sabe do seu caminho, do seu processo. Imagino que ela tenha sofrido demasiadamente. Tanto que não soube lidar com isso e quis a paz, porque estava “cansada da cabeça”. Daí entra o Raul: “Não pense que a cabeça agüenta se você parar”. E é justamente isso. Qual era o significante que aparentemente sustentava Leila? Seu corpo, sua imagem que levavam ao sucesso. Na chegada da idade e na falta de sucesso a que se agarrar? Em alguns casos, as pessoas se agarram à família. O que também não é nada saudável, cá pra nós.

Mas Leila era órfã. E também não tinha filhos. A cabeça agüenta se você para? Raulzito dizia que não. Aliado a isso, há um agravante. Leila que por um momento longo fez parte da “elite das celebridades”, vide seus 10 anos de Rede Globo, passou para o “submundo”. Passou a fazer cinema pornô. Talvez porque não quisesse ficar sem trabalhar, porque precisasse da grana, ou porque teve vontade mesmo de experimentar, ora! Que mal há nisso? Mas o moralismo que nos habita – sim, em algum momento ele aparece em cada um de nós – vai contra isso. E a própria classe a qual ela um dia fez parte - e provavelmente tinha amigos – serviu de superego da moça. O autor de novelas, Walcyr Carrasco escreveu uma dura crítica a Leila em seu blog, em 2008, quando filme pornô “Pecados e Tentações” foi lançado. Depois da morte, declarou-se arrependido. É assim mesmo, às vezes falamos o que não devemos, apontamos coisas sem precisarmos apontar, mas a vida é assim.

Fico imaginando o quanto o superego dessa mulher deve ter feito pressão pra ela se matar. Porque por mais corajosa que ela tenha sido em fazer o filme (digo corajosa no sentido de ir contra o que sua classe pensava sobre o seu ato), ela não deve ter suportado as críticas.

Vejam, aqui não levanto bandeira da indústria pornográfica, mas também não sou contra. Não acho que esse deva ser o único significante de ninguém, vide o que aconteceu com a Leila e NOVAMENTE como afirmou Raul: “Não pense que a cabeça agüenta se você parar”. Agora, essa moralização é uma neurose sem mais tamanho, e que novamente digo, habita todos nós. Está entranhado em mim e é necessário dar um chute. Talvez a mortificação do superego aliado ao medo de envelhecer tenham matado Leila.

Além das promessas que deverão ser cumpridas, falarei de Raulzito, vejam o link abaixo:

http://www.youtube.com/user/DanielCruz886#p/u

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Quiosque volante da Campanha Teatro para Todos, Largo do Machado, dia 25



**Desde o dia 20 de novembro, quem passa pela Cinelândia é despertado por um quiosque verde da Campanha Teatro para Todos, uma realização da Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro. Esta é a sétima edição da campanha que tem como objetivo despertar revitalizar, aproximar e renovar o público teatral, além de contribuir na formação de novas plateias. Este ano, mais de 100 mil ingressos estão disponibilizados para o público, totalizando 68 espetáculos, entre adultos e infantis. Os ingressos poderão ser adquiridos a preços populares: R$ 5,00; R$ 10,00; R$ 15,00, R$ 20,00 e R$ 25,00.

Além do quiosque fixo que ficará na Cinelândia todos os dias até 20 de dezembro(segunda a sexta-feira, das 9h às 19h; sábados, das 9h às 13h; fechado aos domingos), há um quiosque volante que de terça a sábado, das 10h às 18h fica parado em um bairro do Rio de Janeiro tornando a compra mais cômoda. Para ter acesso as datas e aos lugares onde estará o quiosque volante, basta acessar www.aptr.com.br/teatroparatodos .Ou se o espectador não quiser sair de casa para comprar seu bilhete, pode obtê-lo em www.ingresso.com. Os ingressos também estão à venda nos postos Petrobras credenciados, postos Shell, Lojas Americanas e Americanas Express.
Na última quarta-feira (25), o quiosque volante estava no Largo do Machado. Um papel colado na parte traseira do Doblô (carro que serve como quiosque) indicava que ingressos para oito peças que aconteceriam no fim de semana posterior já estavam esgotados. Entre elas o musical O Despertar da Primavera, o drama francês Na Solidão dos Campos de Algodão e o stand-up comedy Musicomédia. O sucesso do Largo do Machado não se repetiu no sábado (28), na Gávea. A procura foi baixa enquanto o quiosque esteve na Praça Santos Dumont.

O espectador deve ficar atento: os ingressos vendidos só valem para a semana da compra. Isso permite que as peças mais procuradas não tenham seus ingressos esgotados de uma só vez. Então quem não conseguiu comprar, por exemplo, sua entrada para O Despertar da Primavera na semana passada, pode tentar novamente esta semana.
Teatro, como é sabido, é o “primo pobre” das artes. Desde a falta de incentivo às produções que encarecem o valor do bilhete até a baixa procura por essa mesma razão ou por desinteresse mesmo, tudo vai contra a “popularização” do teatro. Não se pode afirmar categoricamente o que define a falta de hábito de se freqüentar o teatro, mas esta não é uma exclusividade brasileira, como se é de costume pensar.

Para saber mais sobre esse universo, o OEOO conversou com o ator André Poubel, que esteve em cartaz recentemente no espetáculo “Vale Coxinha”. A peça trata das dores e delícias de quem vive de teatro no Brasil. Um diretor com muitas idéias na cabeça, sonhando com a realização de seu espetáculo, está aguardando resposta de um patrocinador e, confiante de que receberá o financiamento, marca um teste para escolher o elenco Os escolhidos precisam entrar na loucura dele e mostrar que estão prontos para encarar o desafio de vencer qualquer dificuldade, mesmo que seja para ganhar um Vale Coxinha.
André Poubel foi, sem querer, despertado para o teatro quando era criança por seu avô, que era marceneiro. Enquanto fazia brinquedos de madeira para seus netos, encarregava André de ler uma história e depois contá-la aos primos utilizando os objetos que ele tinha feito em sua marcenaria. Não se sabe se foi de forma proposital ou não, mas ele estava ensinando André desde cedo uma técnica de preparação de teatro. Aos 14 anos, participou de uma peça na escola, mas teve a reprovação de seu pai militar. Antes de se formar na escola, o desejo de ser ator voltou. Tentou convencer o avô a ser seu cúmplice enquanto fazia teatro escondido, mas não teve sucesso. Pediu dinheiro ao pai para um curso de inglês e foi fazer teatro. Depois passou no vestibular para graduação em Artes Cênicas na UniRio, enquanto fazia Comunicação Social. Ficou nos dois cursos simultaneamente, sendo que o primeiro era escondido da família. Até que na metade do curso de Comunicação, resolveu trancar sua matrícula e seguir com o teatro.





André, que quando estava na faculdade se ofereceu para entrevistar Fernanda Montenegro e por três vezes emudeceu diante dela, falou sobre a dificuldade de se montar um espetáculo no Rio, sobre o mau funcionamento das leis de incentivo, entre elas a Rouanet, o alto custo dos espetáculos, a cultura do riso que – segundo ele – não é um problema carioca e sim mundial, da aprovação fácil dos espetáculos, dos aplausos iguais, de como os diretores, atores e produtores se propõem a fazer o que o público quer ver – talvez daí a banalização dos apalusos - , citou o livro de Sábato Magaldi “Depois do Espetáculo” e falou sobretudo da delícia de estar em cima de um palco contanto uma história, mesmo com os percalços para montar um espetáculo.

Em breve a entrevista com André Poubel.

**Trabalho de Fotografia em jornal - só estou utilizando o texto, as fotos são da rede.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Heresia

A pretensão de um ato
se revela num gesto
obsceno, maldito
manifesto indigesto.

A pré-tensão de um ato
ata-me à uma revelação,
proíbe a gestação de um gesto
ao me causar indigestão.

A pré-tensão de um a-to
Ata-me ao revelar uma ação
a interrupção do gesto:
indi-gesta manifestação.


A gesta-ção indi-gesta
de uma indi-gestão
será mera pré-tensão
de uma anunciação
de um não ato em ebulição?

Ou será mera heresia
trans-formar em poesia
a gritante histeria
que causou indigestão?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os feitos insatisfeitos

Satisfeitos com os feitos
são os cegos perfeitos
que não vêem os defeitos
que iniciam nos peitos

Oh, santa satisfação
a falsidade do mundo
encontra-se alojada
na sua proclamação

Quem poderá negar-se
satisfeito reparando
em seu leito, perfumado
lençol em macio colchão?

É que quando caminha
pela rua de noite
culpa-se por ver outro
dormindo num papelão

Precisa provar para a dor
que sente, que basta estar vivo
que basta ser gente
e estar num abrigo

Quanto tempo sustentará
essa triste aceitação
de que basta ter na mesa
manteiga, queijo e pão?

Quantos dias durarão
a dura constatação
de que se constata a ação
por faltar uma ação?

Quantos dias satisfeitos
aquecerão seus peitos
apaziguando a dor de não
poder ver os não-feitos?

Quantas necessidades
serão ignoradas a fim de
afirmar pra si que as
cotas já estão saturadas?

Insatisfeitos com os feitos
são os sãos imperfeitos
que morrem pensando
“Que belos meus defeitos”

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

As benesses do apagão


Ontem, resolvi que ia ao teatro ver o Homem da Tarja Preta. O texto, do psicanalista Contardo Calligaris, é dirigido por Bete Coelho e tem a interpretação do ator baiano Ricardo Bittencourt. Enfrentei uma chuva “daquelas” para ir da Gávea ao Leblon. Cheguei ao teatro ensopada e encontrei meus amigos com quem havia marcado. Teatro vazio, como era de se esperar em uma terça-feira. A peça começou. Os três minutos iniciais (se é que deu pra calcular) me pareceram angustiantes. Uma sequência de ações sem palavras foi ocorrendo. Aquele silêncio já estava se tornando insuportavelmente incômodo, quando o personagem começou a falar. Pausa para isso. Andamos tão a mil, que suportar 3 minutos ou um pouco mais de contemplação de ações simples (como um entra e sai de cena, e uma hesitação particular) se torna sufocante. Não sei qual a intenção (se é que há intenção) de nos deixar ausentes de som nesse momento inicial, mas o fato é que pra mim funcionou como um sufoco e isso foi fundamental pra que eu mergulhasse na história.
A partir da primeira palavra proferida, foi impressionante a maneira como consegui me concentrar. Não dispersei nem um segundo, o que nem sempre é comum comigo.
Numa peça com um número maior de atores há o trabalho das marcações, posicionamento, saber a deixa, e se errarem a deixa, ter que improvisar em cima do que foi falado. Mas há um contato direto com outra pessoa, o ator tem para quem olhar. Já no monólogo, eu imagino que deva ser infinitamente mais difícil estar sozinho no palco e ter que encarar “olhos no olhos” a platéia. E esse cara faz isso muito bem. Tem uma segurança admirável.
A peça ia muito bem, quando de repente houve um blackout. Começou a tocar um despertador. Achamos que era efeito cênico. Passaram quase dois minutos, o ator na mesma posição disse: “Faltou luz mesmo, não faz parte da peça”. Começamos a rir. Um funcionário do Teatro do Leblon abriu a porta e comunicou que o problema era em toda a rua. Faltavam apenas três minutos para finalizar a peça, mas como estávamos no breu, não enxergávamos quase nada. Além disso, a cena final precisava de uma música e não havia como tocá-la. Foi nesse momento que aconteceu uma coisa muito gostosa: tivemos a oportunidade de ter um bate-papo com Ricardo Bittencourt. Ele falou da diferença entre o público carioca e o paulista. Em São Paulo, O Homem da Tarja Preta ficou em cartaz por seis meses com sessões lotadas. Depois viajou pelo interior do estado para ser apresentada duas vezes e o número de sessões se quadruplicou. Aqui no Rio, as salas estão sempre vazias. Sugerimos que era por conta do dia, terças e quartas, bem no início da semana. Ricardo respondeu que não sabia se era devido a isso ou se era pela cultura do humor do carioca.
De fato. Após ele falar isso, me lembrei de que ontem mesmo, após sair do trabalho, passei pelo Vivo Rio, e lá havia uma fila com um número considerável de pessoas para comprar ingressos pro Z.É. Somando-se a isso, Bittencourt falou sobre a diferente reação ao espetáculo entre esses dois públicos. Enquanto os paulistas encaram o texto como uma comédia, aqui no Rio tem o tom de tragédia. Ele analisa como se o carioca levasse pro íntimo, pro pessoal. Em uma cena, ele dá um endereço ali mesmo do Leblon e lá do palco tem a sensação de que todos tomam pra si, se identificam. Não sei qual o endereço ele utiliza em São Paulo, mas certamente a peça não é em algum lugar tão pequeno, onde a frequência seja tão bairrista. Em São Paulo os risos são constantes, certeiros, ele já sabe as pausas certas para ouvi-los e depois, seguir. E aqui, os risos são espaçados, imprevisíveis, deslocados. Perguntei a ele se tinha um tom de desespero por parte do carioca, ele não soube responder. Esse clima de enigma foi fascinante.
A cultura do riso no Rio é, de fato, muito forte. Os “stand-up comedies” estão sempre lotados, ficam bastante tempo em cartaz... O que há de mal nisso? Creio que nada. Chamar de teatro eu acho pesado, já que me parece mais um show, um talk-show. Já fui algumas vezes no Z.É., e é sim divertido. Não sinto mais vontade de voltar porque satura. Tem o seu valor, é um jogo rápido, os atores têm que ser ágeis, hábeis, inteligentes, mas nós, espectadores, temos é que ser apenas fugazes. Rimos, vamos embora. Humor é ótimo, seja o fino ou o mais escrachado. Você tende a sair sempre leve, relaxado. Mas porque optar só por isso? É tão difícil assim querer ir ver algo diferente? Fico pensando na tão falada hospitalidade do carioca. Que hospitalidade é essa que não consegue receber bem um espetáculo paulistano (vejam bem, aqui falo desta peça, não do geral)? É o famoso chopp repetido no bar, aquele “a gente se vê”, “passa lá em casa” e fica tudo por isso mesmo. Há uma dificuldade imensa de assumir a solidão, que existe.
Bom, acabei levantando muitas coisas. Sobre a peça mesmo, só falarei quando vir o final, já que ganhei ingressos para voltar. Mas adorei o apagão que me permitiu esse contato com as impressões do ator e me levou a pensar nessas coisas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Estranhas Entranhas

Estranhas são as entranhas
que são tão familiares
insuportavelmente nossas
que se fossem pelos ares
aliviariam essa joça

Estranhas são as entranhas
que são tão irregulares
ora assim, ora assado
demasiadamente bipolares
fundem presente e passado

Estranhas são as entranhas
que gritam em meus ouvidos
ora anjo, ora diabo
a ruptura e o proibido
entre sina e inusitado

Estranhas são as entranhas
que confundem os sentidos
com meias finas se apresentam
te oferecem um vinho seco
e de ressaca te arrebenta

Estranhas são as entranhas
que bestialmente oscilam
sãos se tornam insanos
os firmes vacilam
pra vestirem-se humanos


Estranhas são as entranhas
que fatalmente te incitam
à covardia cotidiana
de não poder vestir a roupa
de uma vida mais humana

Estranhas são as entranhas
que uma hora te dão direito
de poder estufar o peito
e num girar de ponteiro
te revelam um defeito

Estranhas são as entranhas
que se aqui te sabotam
ali os fantasmas enxotam
fazendo crer que a vida é uma festa
e que vivê-la é o que nos resta

Estranhas são as entranhas
que te levam a loucura
numa angústia desmedida
de pensar se se tem cura
dessa coisa chamada vida

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Meu analfabetismo científico


Eu nunca fui uma boa aluna em Ciências. Tinha notas regulares e achava muito chato saber todos aqueles nomes de doenças. Na quinta série, me lembro bem do professor César desenhando no quadro negro uma célula gigantesca ilustrada por várias cores de giz. A intenção dele era nos apresentar os lisossomos, ribossomos e todas as funções dos componentes celulares. O entusiasmo dele ao apresentar a célula, num primeiro momento, foi contagiante. Mas depois, tenho que confessar, foi frustrante. Passei o ensino fundamental inteiro sem entender xongas sobre células. Tinha decorado cada função daqueles desenhinhos para escrever nas provas. E não tinha coisa mais entediante que passar o fim de semana “estudando” aquelas coisas. Era tudo muito abstrato, eu não entendia absolutamente como funcionava aquilo dentro do corpo humano.
Pois bem, segui nas decorebas. A biologia do ensino médio foi um pouco mais interessante. Tive um professor mais sensível às dificuldades de compreensão da turma. Ele era mais sintético e ao mesmo tempo mais explicativo. Traduzia aquela linguagem abstrata. Mas, na minha cabeça, já era tarde pra gostar daquilo. Eu já sabia o que queria fazer da vida e aquela era só uma etapa que eu tinha que cumprir. Foi uma dessas besteiras que fazemos quando tomados de uma certeza dura e inflexível.
Agora me vejo muito próxima desse mundo da ciência e seus mistérios, suas descobertas. E como boa parte das pessoas em nosso país, me sinto portadora de um analfabetismo cientifico. Outro dia, conversando com uma conhecida do francês, descobri que ela trabalha com polímeros. Perguntei a ela como tinha sido despertada a querer trabalhar com algo tão específico como polímeros. Ela me contou que fez um trabalho para a escola sobre espuma e se encantou pelos polímeros. Iniciamos um bate-papo sobre a falta de incentivo às pesquisas nas escolas.
Depois, encontrei uma outra amiga, que também fez francês comigo e acabou um mestrado em Ecologia agora. Ela me disse o quão sufocante é o mundo entre os biólogos quando se trata de conversar. Os nichos são muito fechados, um exemplo é a própria ecologia. Eles ficam limitados a um universo ecólogo. Há uma concentração maciça no micro, segundo ela.
Voltando ao papo referente ao incentivo nas escolas no que diz respeito à ciência, temos que admitir: ela tem ganhado mais espaço na mídia. A criação de eventos como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, além do crescente numero de prêmios oferecidos aos novos cientistas são políticas públicas importantes.
Mas é tudo muito irrisório ainda. Há muito que se desmistificar no ramo da ciência de modo que atraia futuros pesquisadores.
Por isso eu resolvi me alfabetizar em ciência. Em breve trarei uma reportagem sobre as tais células que tanto prometeram me encantar e acabaram por me frustrar. Prometo trazê-las de modo bem claro.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

As células e as recomendações


Pra retornar ao blog, trouxe dois textos. O primeiro é uma matéria da repórter de ciência do NYT, Gina Kolata. Ela escreveu o livro Gripe, que fala da gripe espanhola. O texto abaixo trata de uma constatação feita por médicos da Sociedade Americana do Câncer: os diagnósticos precoces dos cânceres de mama e de próstata talvez fizessem com que os pacientes se tratassem de modo excessivo, sem se ter uma confirmação do grau da doença.
Após ler a matéria, me lembrei de um texto do Luis Fernando Veríssimo que li na época da escola. Fiz uma busca e achei. Logo início ele descreve uma situação corriqueira e que acho muita graça: “Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas peraí, não exagere...” Se antes eu ouvia essas recomendações da minha avo e depois da minha mãe, hoje recebo dos “bons amigos” por e-mail. Ao menos uma vez por semana recebo um aviso no correio eletrônico: “beber refrigerante diet causa isso, dormir com celular embaixo do travesseiro é perigoso...”


Essa profusão de avisos e recomendações só nos faz criar mais possibilidades de acidentes, doenças e afins. A nossa mente engole tudo. O que vier pra ela é lucro. Coisas boas ou ruins. É como esta noticia do câncer. Bom, talvez meu organismo tivesse mesmo algumas células em destruição. E talvez eu nem soubesse disso se não fosse fazer alguns exames. Haveria a possibilidade dessas células destrutivas se desenvolverem, mas também não seria descartada a hipótese delas ficarem ali, quietinhas, sem me dar problemas. Ou sem me dar a chance de tornar isso um problema.

É evidente que eu não sou cientista, nem tenho aqui a pretensão de falar pra ninguém deixar de fazer exame, nem não ir ao médico, mas é importante pensar nos nossos próprios mecanismos. Enxergar quantas coisas fazemos com a gente mesmo pra se sabotar, ou pra criar problemas. Temos que ir atrás da vida, não da morte. Digo isso como meta, como esforço. Procurar a morte é algo inerente a nós, não esqueçamos a pulsão de morte. Mas, temos que ir a luta em favor da vida. Da nossa vida.

Exames são questionados por Sociedade Americana do Câncer
Publicada em 21/10/2009 às 22h04m
Gina Kolata - Do New York Times
NOVA YORK - A Sociedade Americana do Câncer, que durante muito tempo foi uma sólida defensora da maior parte dos testes para a detecção de tumores, agora afirma que os benefícios da detecção prematura de muitas formas da doença, em especial de mama e de próstata, seriam exagerados. Uma mensagem a ser veiculada no site da entidade a partir do ano que vem enfatizará que o rastreamento antecipado de tumores de mama, próstata e outros pode levar a um supertratamento de tumores muito pequenos e, ao mesmo tempo, deixar passar cânceres que seriam realmente letais.
" Não quero que as pessoas entrem em pânico. Mas admito que a medicina superestimou os exames "
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- Não quero que as pessoas entrem em pânico. Mas admito que a medicina superestimou os exames. Suas vantagens foram exageradas - afirma Otis Brawley, diretor médico da Sociedade Americana do Câncer.
Segundo a entidade, que trabalha com mais de dois milhões de voluntários, os testes para a detecção do câncer de próstata têm sido problemáticos e a organização não defende os exames para todos os homens. Muitos pesquisadores apontam que o método de detecção deste tumor, chamado PSA, não tem se revelado suficiente para evitar mortes por esta doença.
Há tempos existe um intenso debate sobre a mamografia. Estudos realizados entre as décadas de 1960 e 1980 apontaram que a mamografia reduziu a taxa de mortalidade por câncer de mama em até 20%. A decisão da entidade de reconsiderar sua mensagem sobre os riscos e os potenciais benefícios dos testes para a detecção foi estimulada em parte por uma análise divulgada nesta quarta-feira na revista da Associação Médica Americana.
O relatório indica um aumento de 40% nos diagnósticos de câncer de mama e quase o dobro do aumento dos pacientes diagnosticados em estágio inicial. Mas o estudo aponta um declínio de apenas 10% na detecção de pequenos tumores que se espalham para além da mama, gânglios linfáticos ou outras partes do corpo. O relatório explicou que a situação é semelhante à do câncer de próstata.
Se, nos casos de câncer de mama, os testes para a detecção da doença confirmassem a sua utilidade, outras formas que anteriormente só eram diagnosticadas tardiamente, geralmente quando as chances de cura já eram reduzidas, também deveriam ser detectadas precocemente, com maiores chances de cura. Um grande aumento no registro de cânceres em estágio inicial seria equilibrado por um declínio no registro de cânceres em estado adiantado. É o que ocorre nos cânceres do cólon e da coluna cervical, mas não no de mama e próstata.
Mesmo assim, os pesquisadores não acreditam que todos os testes de detecção devam ser deixados de lado. O que eles dizem é que, quando uma pessoa toma a decisão de fazer um exame desses, ela deve estar ciente dos seus riscos e benefícios.
Especialista teme que alerta confunda o público
Por ora, esses riscos não estão sendo enfatizados nas mensagens da Sociedade Americana do Câncer sobre a mamografia, que afirmam que o exame é "uma das melhores coisas que uma mulher deve fazer para proteger a sua saúde".
Outros pesquisadores, porém, como Colin Begg, do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, de Nova York, acreditam que a discussão em torno dos testes de detecção pode confundir o público e fazer com que as pessoas evitem alguns deles.
- Tenho medo de que as mudanças na forma como encaramos esses exames levem as pessoas achar que não devem fazê-los. Esses testes não se tornaram inúteis.

http://oglobo.globo.com/vivermelhor/mat/2009/10/21/exames-sao-questionados-por-sociedade-americana-do-cancer-770303175.asp

Luis Fernando Veríssimo - Simplicidade
Cada semana, uma novidade.

A última foi que pizza previne câncer do esôfago.

Acho a maior graça.

Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas peraí, não exagere...

Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.

Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.

Prazer faz muito bem.

Dormir me deixa 0 km.

Ler um bom livro faz eu me sentir novo em folha.

Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns cinco anos.

Viagens aéreas não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheio de idéias.

Brigar me provoca arritmia cardíaca.

Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.

Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.

E telejornais os médicos deveriam proibir - como doem!

Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar.

Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.

Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde.

E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda.

Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou muzzarela que previna.

Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, UAU!

Cinema é melhor pra saúde do que pipoca.

Beijar é melhor do que fumar.

Exercício é melhor do que cirurgia.

Humor é melhor do que rancor.

Amigos são melhores do que gente influente.

Pergunta é melhor do que dúvida.

Tomo pouca água, bebo mais que um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada.

Sonhar é melhor do que nada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As necessidades dos tempos

Acordou atrasada, havia ignorado os reclames insistentes do despertador. Quando se deu conta de que horas eram, levantou –se apressada a fim de se aprontar e sair para o trabalho. Nesse meio tempo, entre tomar banho e pegar o ônibus, esqueceu-se de comer. Chegou, trabalhou, saiu do trabalho, pegou outro ônibus, e foi para um outro trabalho. Chegou, trabalhou novamente e apressou-se para pegar um coletivo até chegar à faculdade. Assistiu aulas, foi para casa, deparou-se com o livro do Freud que lia, pensou em ler um pouco. Desistiu. Tomou um banho e foi dormir sem comer, o cansaço e a preguiça não a deixaram preparar qualquer alimento.
O tempo para literatura, filosofia e até para palavras cruzadas se tornava cada vez mais escasso. Parou para pensar sobre o quanto pensar fazia falta. Todas as atribulações e funções corriqueiras que ocupavam o seu dia pareciam-lhe pouco. O tempo sempre foi uma questão. Desde os trovadores, passando pelos poetas e levado a sério pelos filósofos. A pressão que o tempo exerce sobre o humano, é irreversível. Para ela não era diferente. A compreensão histórica, aos olhos de Hegel, só pode vir quando o ciclo está chegando ao fim. A sabedoria subutilizada da coruja, que só vem ao anoitecer, é uma metáfora interessante. E realmente, ela e todo o ser que habita este planeta sofrem desse mal-estar de “viver” no presente, idealizando o futuro e reforçando o passado. Talvez assim também se dê a História. Vivendo um presente, que contempla o passado e molda o futuro.
Marx já acreditava que o caminho percorrido nos mostra para onde ir e que é a filosofia quem diz isso para a História. Seria muito ousado, ou talvez agressivo, que ela discordasse de Marx, pensador que se debruçou sobre os livros e que foi um grande estudioso da sociedade a fim de criar seu discurso, mas não poderia se furtar em expressar o que sentia. Sim, o que sentia. A contemplação humana que mais valia para ela era a dos sentidos. E suas sensações indicavam que a filosofia não mostra à História o caminho que esta deve percorrer. Isso, para ela, se daria de maneira inconsciente, a partir dos sofrimentos e necessidades dos humanos naquele contexto histórico. Seria de grande valia se pudéssemos, com certo distanciamento, pensar o que devemos fazer para sanar nossos males, nossas dores e as mudanças que são necessárias. Mas isso não se dá de forma racional, e sim pulsional. Dá-se, a partir de quando o calo começa a doer tanto no pé, de modo que precisamos arrancar os sapatos e arranjar novos deles, que sejam mais confortáveis. E estes provavelmente um dia também nos incomodarão.

*Textos Selecionados dos Alunos de Técnica de Reportagem
http://blogdoprofadilson.blogspot.com/

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Volta ao passado

Por uma falha da minha memória, esqueci o aviso que a professora de teatro havia dado no último ensaio:nesta semana iniciaríamos meia hora depois do horário de costume.
Pois bem, chego no horário habitual e encontro uma platéia aplaudindo um espetáculo infantil. No final, a professora recebeu flores e foi elogiada pelo diretor da escola.
A porta se abre e vejo, dentro do salão, duas colegas de turma do teatro. Ambas assistiam a peça, a qual suas filhas caçulas faziam parte.Pergunto a elas sobre a atuação das filhotas e, sobretudo, sobre o espetáculo. A mais falante delas me contou que tinha sido hilário e que uma das atrizes mirins, amiguinha de sua filha, esquecera a fala – e que ainda assim, anunciara o esquecimento na pele da personagem: falara com sotaque.
Aquilo me chamou a atenção, fiquei de olho na tal menina. Quando ela desceu do palco, todos a abraçaram como se fosse uma estrela. Houve ate quem perguntasse se o erro fora proposital ou se ocorrera espontaneamente. Ao ouvirem da menina a afirmação áspera de que o erro ocorrera de fato, todos riram e disseram ‘imagine, nem pareceu, nós pensamos que fazia parte do texto’.
Entendo a função psicológica da pergunta.Sei também que é importante afirmar para a criança que o erro cometido é uma bobagem diante da grandiosidade da peça. Mas não podemos esconder o quê patético que há nisso.
Ao ver essa situação, voltei dez anos no tempo e me vi no palco do Colégio Disneylândia encenando ‘Marina e Mariana’ em homenagem a poetisa Cecília Meireles. O texto estava na ponta da língua, fazia dias que eu o repetia diante do espelho, no chuveiro e em todos os momentos em que ficava sozinha. Relembrava todas as marcações ditadas pela então professora e assim, ensaiava.
No dia da apresentação, eu sentia as famosas borboletas no estômago. Um misto de ansiedade, apreensão e alegria por enfim apresentar o que ensaiava há meses.
É chegada a hora. A quadra onde ficava o teatro estava lotada. Uma multidão de acelerar o coração .Eu, Liz, aluna mais velha que eu admirava pelas peças que ela fazia na escola estava no palco vivendo Marina, e Julia, que era da minha turma, fazia Mariana.
Eu comecei a narrar a história e de repente aquele zum-zum-zum da platéia me dispersou e tum: deu aquele branco. Esqueci o texto, os nervos afloraram e comecei a chorar.
Saí do palco para o camarim como que fugisse de uma surra. Surra do meu próprio superego que começava a me castigar ali, naquele instante. Quando desci, todos me aclamaram e fizeram a pergunta: ‘o choro fazia parte da encenação?’ Outros eram ainda mais patéticos: ‘ Nossa, como você é boa atriz’.
Eu tinha dez anos de idade e achava aquela paparicação em cima do meu erro a coisa mais piegas da face da Terra. E isso deu forca as chicotadas do meu superego que me castigou durante anos, até que eu pudesse voltar ao palco com as famosas borboletas, mas sem medo de errar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O barbeador foi caindo...

Hoje, encontrei Cris, uma amiga que tem uma filha de oito anos. Por coincidência, a pequena também se chama Isabela.
Cris me contou entusiasmada que ontem estava no engarrafamento a caminho de casa quando seu marido ligou perguntando se ela ia demorar a chegar. Ela, certa da impresivibilidade de sua resposta, ficou apreensiva com o que poderia estar acontecendo do outro lado da linha, já que aquele tipo de telefonema no fim do dia era incomum.
Seu marido, então, contou que Isabela chorava sem parar e o impedia de se aproximar dela para contar o que havia acontecido. Pois bem, ele desligou o telefone diante da resposta incerta de Cris.
Um pouco depois, a própria Isabela ligou para Cris, e, soluçando dizia que precisava muito da mãe, o que deixou a pobre genitora muito aflita.
Ao chegar em casa, Isabela sofreu uma espécie de sabatina:
- Você quebrou alguma coisa minha? Falou o que não devia para alguém? Fez alguma besteira?
Enquanto isso, Isabela apenas balançava a cabeça negando cada pergunta e soluçava. A mãe já meio impaciente, num desespero contido perguntou com paciência:
- Então o que que aconteceu, minha filha?
- Sabe o que que foi mãe? – soluçava – Eu fui pegar a escova de dente no armário e o barbeador caiu na minha perna e foi raspando.
Cris, respirando mais aliviada, achou o fato engraçado, mas conteve o riso e indagou:
- Caiu e raspou? As duas pernas?
- É mãe, ele foi caindo, caindo e raspando...
Depois de dizer que não gostaria que Isabela deixasse o barbeador cair em suas pernas e que as rapasse novamente, Cris foi pro quarto e riu.


Precisava contar essa história, porque lembrei de tantas delas que eu contava na infância para minha mãe para disfarçar alguma besteira que eu tinha feito. O mais interessante de tudo isso, é a gente achar, quando tem essa idade (ou talvez não só nessa idade), que os outros vão acreditar nas nossas palavras mirabolantes. Fico pensando quantas vezes minha mãe me enganou dizendo que acreditava no que eu falava, e eu, me achando vitoriosa, comemorava.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O DESEJO é VERMELHO


O desejo escapa. É como o vermelho.
Se há um corte, o vermelho, em forma de sangue, transborda. É como o desejo.
O sangue é uma espécie de borrado.
Nada nos impressiona ao sabermos que o vermelho é a cor do marketing.
Ele mexe com o desejo do consumidor.
Desde empresas de lingeries a lojas de fast-foods utilizam a poderosa cor vermelha para nos atrair.

O vermelho é a pulsão que não tem caminho. É ela por si só. É o pecado em forma de cor.
É a cor em forma de expressão, expressão do que não se tem controle.
Ou do que se imagina que se tem, mas uma hora nos foge, nos escapa.

Vermelho é sedução, é ódio, é paixão. É desejo.

sábado, 25 de julho de 2009

Encontro com o espelho

Tinha nojo de si. Seu desmazelo causava repugnância. Mas o fato não era recorrente. Parecia que não se prendia a detalhes. O próprio desmazelo era encarado como natural. Os cabelos despenteados, as coisas jogadas pelo cômodo e os alimentos fora da validade na dispensa não eram uma preocupação. Vivia assim, apenas. Até que se deparava com bichos nas comidas passadas. E percebia que não almoçava há dias. Três ou quatro? Não lembrava. Se já tinha comido algo naquele dia? Também não tinha recordação. O mundo a chamava, o tempo corria, passava, às vezes não sentia. Certa vez ouviu de um poeta: “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”. Tomou a frase pra si com voracidade. Descobriu que tinha dentro dela uma tenacidade nunca antes revelada. A preguiça sempre foi uma nuvem. Cobria o que havia de mais interessante.

Quando depois de meses notava que as roupas caíam de seu corpo, caía também a ficha. O desmazelo era desmascarado e as imperfeições vinham à tona. Sentia um desprezo desmedido por si. Que desamor era esse? Odiava-se intensamente pela falta de amor a si. Superegoicamente martirizava-se pelo simples fato de não se amar. Mas tinha dessas explosões pontualmente. Depois de umas chicotadas voltava pra sua teia. Pra sua trama sem fim. E repetia. Tudo de novo. E de novo.

Um dia encontra um sábio. Não daqueles ermitões, ou monges ou qualquer ser recluso que abdique de aventuras para se dedicar ao distanciamento. Não. O sábio era desses que come carne, bebe cerveja, lê, estuda, trabalha, ama, odeia, briga. Desses bem humanos mesmo. As palavras proferidas vinham de uma sabedoria de quem experimentou a vida. E naquele caso, de quem experimentou o desmazelo. Eis que todo o discurso exposto pelo sábio botou em xeque a nossa cara. Perguntou se todo aquele ar blasé consigo mesma e com as coisas mundanas ao seu redor não era um narcisismo exacerbado. Daqueles de que o ego se garante mesmo com os cabelos despenteados, as roupas surradas e as unhas roídas. Sentiu-se estranha. Toda a construção que fizera e tudo o que pensava sobre si fora derrubado em um simples chopp. Será? Não negou. Aceitou a possibilidade. Entrou em dúvida. Podia sofrer sim de um narcisismo desmedido. Mas podia também viver um conflito intenso de amor e ódio a sua imagem.
Pôs-se a pensar. E o desmazelo aprofundou-se. Não havia naquele tempo espaço pra comida, maquiagem ou cortes de cabelo.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

"Só dez por cento é mentira"

O Festival de Cinema de Paulínia, que iniciou quinta-feira passada, teve ontem uma apresentação especial: o documentário "Só dez por cento é mentira" sobre o poeta sul-matogrossense, Manoel de Barros. Houve alguns problemas na transmissão, mas o mais importante de tudo - o conteúdo - era de primeira.

Não estava lá para conferir, uma pena. Mas só de saber que o doc. traz imagens do poeta e suas poesias na tela, já é o suficiente para crer que deve ser belíssimo.

Segundo André Miranda, do site do Bonequinho, do jornal O Globo, o filme foi aplaudidíssimo pela plateia. O doc. de Paulo Cezar parece ter emocionado quem foi conferir. Além de uma longa entrevista com Manoel de Barros, há depoimentos de artistas que interagiram de certa forma com sua obra. Elisa Lucinda, Joel Pizzini, Bianca Ramoneda, Viviane Mosé e Adriana Falcão.

Estou louca para que "Só dez por cento é mentira" entre logo no circuito comercial. Ano passado, no Festival do Rio, em setembro, houve algumas apresentações. Mas, a correria da vida não me permitiu assistir.

Para saber mais sobre o Festival: http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2009/07/15/manoel-de-barros-no-cinema-205091.asp

Ou: http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/posts/2009/07/09/festival-de-paulinia-abre-hoje-com-exibicao-de-deriva-203277.asp

"A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas."


Manoel de Barros


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Incêndio no circo



Na última sexta, após pegar um ônibus que mais parecia uma carroça e um trânsito nada agradável, eu cheguei em cima da hora à rodoviária Novo Rio. Minha passagem era para as 23h. Cheguei exatamente nesse horário e não pude embarcar porque não dava tempo de trocar o voucher. O próximo ônibus sairia 00h. Dei umas bisbilhotadas na banca e resolvi comprar a RHBN . Adoro essa revista, fazia algum tempo que não lia. Mas confesso que comprei por conta da capa. “Árabes somos nós – As origens que o Brasil desconhece”. Matéria incrível, vale a pena conferir. Depois escrevo minhas impressões.

Na verdade, resolvi escrever aqui depois de ler outra matéria da revista: Incêndio no circo – a pior tragédia brasileira . Essa história tem muito a ver comigo, meus tios estariam no circo neste dia fatídico. Mas, pasmem!, devido a um sonho meio bruxo da minha avó, eles não foram.

Primeiro, a história do circo.


O Grand Circus Norte-Americano chegou a Niterói em um evento fascinante. Havia uma banda – que mais parecia uma orquestra - em cima de uma carreta. A família Stevanovich, acompanhada de diversas espécies de animais, entrou na cidade com um alto-falante anunciando: “Está chegando o Norte-Americano”. A estrutura do circo era gigantesca - atestando a megalomania do espetáculo - e a lona podia abrigar 2.500 pessoas. Era esse o número dos que estavam presentes na tarde de 17 de dezembro de 1961. Às 15h45, quando se aproximava o fim do último número – o salto tríplice dos trapezistas – teve início o maior incêndio de circo de todos os tempos.

O jornal Tribuna da Imprensa narrou o acontecido: “Em menos de 20 minutos o circo ficou completamente destruído, com um montão de corpos carbonizados na porta principal e outros espalhados pelas cadeiras e debaixo das arquibancadas. Um pouco longe do circo, era este o espetáculo: uns se arrastando quase em frente à estação [de trem] da Leopoldina, outros rasgando suas roupas (em chamas) aos gritos. Os que conseguiram sair sem ferimento gritavam por socorro. Dois minutos depois, chegava o Corpo de Bombeiros, que só teve um trabalho: juntar os mortos nos caminhões dos particulares e manda-los para o necrotério. Praticamente não havia mais fogo”.


No estádio Caio Martins foram enfileirados os corpos carbonizados, cobertos com panos brancos doados pelo povo. Uma vez reconhecidos, eram colocados, ali mesmo, nos caixões para o sepultamento. A necessidade de disponibilizar grande número de esquifes de diferentes tamanhos transformou o campo de futebol “na maior e mais triste carpintaria do mundo”, segundo a revista Fatos e Fotos. O governador Celso Peçanha convocou todos os marceneiros e carpinteiros de Niterói para a fabricação dos caixões em regime de urgência. Chamava atenção o número de urnas para crianças. Durante vários dias, a cidade foi envolvida pelo clima de velórios e enterros. Enquanto ocorriam os sepultamentos, novas covas eram abertas para os próximos. Carros circulavam com fitas pretas de luto.

Não escaparam à imprensa reações individuais de desespero. O caso mais difundido foi o do Profeta Gentileza. Como suas primeiras pregações aconteceram no local do incêndio assim que soube do acidente, até hoje persiste o boato de que ele teria perdido a família na tragédia, versão que não se confirma. O personagem ganharia fama no Rio de Janeiro, pintando suas mensagens em grandes painéis.


Neste link vocês podem ler um pedaço da matéria:
Ou comprem na banca e leiam-na inteira, vale a pena. Há um texto interessante a respeito do acusado do crime.

Agora, a minha história.

Um belo dia, estávamos no carro indo para Petrópolis. Na frente, meu irmão dirigia, eu estava ao seu lado. Fui na frente com a desculpa de “tomar conta do som”. Atrás, minha mãe, minha tia e minha cunhada. De repente coloquei um CD da Marisa Monte, “Memórias, Crônicas e Declarações de Amor”. Lá na décima música, começa: “Apagaram tudo/ Pintaram tudo de cinza”. Era Gentileza .. Mal começou e minha tia começou: “Você conhece o profeta Gentileza?” E eu, que era nova, fiquei com cara de tacho. Falei: “Ah, gosto dessa música, mas não sei quem é Gentileza.” E minha tia me contou o tal boato de que a família dele pertencia ao Grand Circus Norte-Americano e que ele a tinha perdido no incêndio. Falou dos escritos no viaduto do Caju, que eu já tinha visto, mas não sabia que eram dele. Surpreendentemente, ela me contou que tínhamos algo em comum com aquela história. Meus tios eram crianças e por serem muito levados, ficavam em um internato. Nas férias iam visitar minha avó. Estavam na casa dela, em São Vicente – distrito de Araruama – quando uma tia que morava em São Gonçalo convidou os meninos para irem ao circo, já que sua vizinha levaria os filhos. Este era o grande espetáculo da época. Minha avó não viu nenhum problema e os mandou para a casa de Tia Mariete. Mas, na noite anterior ao espetáculo, quando os meninos já estavam em SG, minha avó teve um sonho que ela considera uma “premonição”. Sonhou que criavam um novo cemitério. Ela estava lá e quando viu um homem ordenando que abrissem várias covas pequenas, perguntou o porquê do acontecimento. Ele respondeu: “Várias criancinhas morreram, dona. Não tem nem caixões suficientes para enterrá-las”.

Minha avó, que já foi espírita e hoje é católica, ficou angustiada com o sonho e fez meu avô ir a São Gonçalo buscar meus tios. Eles voltaram bem chateados, sem entender nada. No dia seguinte, a tragédia. Os filhos da vizinha morreram no incêndio.

Contei essa história porque gosto dela. Através da RHBN fiquei sabendo que o tal boato sobre o Gentileza, que eu acreditava piamente, é um fato sem confirmação. Isso me fez refletir sobre o trabalho do jornalista que é o de apurar os fatos. Tenho lido em muitos sites notícias baseadas em coisas escritas no Twitter, por exemplo. Hoje mesmo li uma matéria sobre besteiras, no site do jornal O Dia, que se baseava no Twitter. E o pior de tudo, um dos perfis citados na matéria é fake.

Além disso, fica o mistério. Não consigo entender essas coisas sobrenaturais. Ou melhor, não consigo entender essas coisas. Se elas são sobrenaturais ou não, não posso afirmar. Já fui kardecista um bom tempo da minha vida. Meu pai estuda a doutrina e me fazia seguir também. Líamos os livros em casa, freqüentávamos palestras e fui até obrigada a fazer “evangelização”. Bonita a tentativa do meu pai de querer me doutrinar. Mas, acabei encontrando outros caminhos. E nestes novos caminhos tenho aprendido muitas coisas. E pretendo descobrir brevemente essa “coincidência/premonição”da minha avó. Mas é assim, talvez haja coisas que não se expliquem mesmo.

Tinha algo pra falar sobre a Elis. Mas isso fica pra depois. O texto ficou gigante.E tá mal editado porque não tá aparecendo a barra de ferramentas no blogspot. #droga

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Uma colher de azeite

O CD está rolando e eu, me arrumando com pressa, vou cantarolando as músicas no passar das faixas. É o CD do “4 Cabeça” que um ex-namorado da minha amiga deixou lá em casa de herança “pós-namoro”. A banda composta por Baia, Gabriel Moura, Luis Carlinhos e Rogê tem algumas músicas reflexivas, outras divertidas. O vai e vem de pega blusa, penteia cabelo, coloca o texto da aula na bolsa e etc. poderia deixar passarem despercebidos àqueles versos. Mas, “O Grande Mestre” sempre fala: o inconsciente pega. Se os versos em questão falavam de algo que se passava em mim era natural que, mesmo distraída, eu prestasse a atenção. A letra como um todo fala de coisas que, atualmente, não são de grande relevância para mim. Por isso, apenas colocarei o trecho que me afetou:

“Não é lenda não é crendice
Pura verdade quem é fraco não resiste
Tem que ser forte muito guerreiro
Que desarmado não se entrega ao desespero
Que vai à luta de peito aberto
Matando a sede nas areias do deserto da vida
Que testa a cada dia o poder de se manter viva”

Carcaça – Composição de Luis Carlinhos / Baia / Fuzuê

Se quiserem saber mais da música: http://www.letras.com.br/luis-carlinhos/carcaca

Para complementar, uso as palavras de MD Magno.

Revirão: uma coisa que revira, que vira ao contrário, que dá uma cambalhota. O Revirão, que aqui se torna um conceito preciso, é necessária conseqüência da LEI. Se não há Morte, se o não-Haver não há, se não há passagem para outro lado, o movimento se extenua contra uma parede indepassável, seu próprio limite, e retorna para ‘dentro’ do seu próprio campo. O simples fato de haver retorno do movimento pulsional, de não haver saída para ele, de ele não encontrar esgotamento num ‘fora’ que não há para o campo do Haver, já significa a quebra de simetria que instala o que Freud pensava como castração, ao mesmo tempo que nos impõe a idéia de um reviramento ao contrário, um avessamento enantiomórfico, como se fosse uma reversão pelo avesso diante de um espelho. Por quê? Pelo simples fato de que se buscava o simétrico radical do Haver, enantiomorficamente radical, que só pode ser o não-Haver. Em não havendo não-Haver, isso revira para ‘dentro’, ao contrário da sua intenção de passagem. E só isto já constitui um reviramento pelo avesso.”

Esse texto do Magno é ótimo, explica muita coisa. Quem se interessar: http://www.sinergia-spe.net/editoraeletronica/autor/044/04400800_3.htm

Eu peguei esses dois trechos para falar disso: revirar. Matar a sede nas areias do deserto. Ou como diz um amigo querido: dar nó em pingo de éter. A água em temperatura ambiente demora a evaporar, certo? O éter não. Evapora muito rápido. Então dar nó em pingo de éter é o mesmo que se deparar com o nada. Em determinados momentos da vida, passamos por isso. Às vezes ficamos estagnados, meio sem direção, sem saber pra onde ir, ou mesmo sem saber se queremos ir pra algum lugar. Há quem ache que isso é depressão. Eu já acho que é a angústia natural da vida. Seria mais cômodo me entupir de Rivotril e afins. Mas... às vezes encarar o mundo é a melhor solução. Passar pela angústia tem seu preço, mas o aprendizado compensa.
Fico pensando no tal do Revirão de Magno como um óleo. De cozinha, ou de máquina. Tanto faz. A propriedade é a mesma. Sabe quando a porta emperra? A corrente da bicicleta engasga? Sempre alguém aconselha: joga um óleo que é uma beleza! Até quando o sujeito fica com uma espinha de peixe entalada na goela: “bebe uma colher de azeite” que desce. Pois é. O revirão me parece isso.
To nesse blá-blá-blá aqui, mais como uma bronca e um desabafo, do que pra construir um bom texto. Venho de semanas nada boas. Com esse misto absurdo de sentimentos: angústia, raiva, frustração, desânimo, decepção. Para completar, o tal do inferno astral, que sempre levo um puxão de orelhas do “Grande Mestre” ao citar esse período. Nos últimos dias me pareceu uma grande conspiração do mundo: dos astros, dos deuses, da roda da fortuna, dos amigos, dos inimigos e seja lá mais do que a gente cisma em pôr a culpa. No fundo, as coisas acontecem, os amigos sacaneiam, as frustrações existem, o inferno astral acontece, a sorte pode não chegar, mas... De verdade? Quem dá o peso e o tom pras coisas, somos nós. Quem decide em ficar entalado ou beber a colher de azeite, somos nós. Quem escolhe ficar à mercê do inferno astral ou não, somos nós. Então me parece que tenho é que tratar de buscar o meu reviramento a ficar reclamando feito uma velha rabugenta. Se eu vou conseguir? Não sei. Mas tentar já é um começo.

Nessa rede de muitas possibilidades, adoro encontrar coisas que toquem, que afetem, de fato. E tive uma nova aquisição, virei fã: http://sensivelldesafio.zip.net/.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Na minha frigideira

“Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa procurar aquele documento, que você esqueceu onde colocou, fazer revisão no carro, e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar? Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer, a troco de quê?
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, juntas com algumas contas atrasadas. Deixando para os parentes o dever de arrumar suas tralhas, a mexer em suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira, mas que ninguém era capaz de perceber. Segredos que ninguém conseguiu jamais desvendar, mas que agora todos ficarão sabendo, só porque você morreu. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
Quando a gente tem mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser até bem-vindo, pois já não temos mais as ilusões que nos fazia sempre seguir em direção de alguma coisa, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que não há mais quase nada guardado nas gavetas. Tudo bem, é hora de ir embora... Mas se morremos quando ainda caminhávamos? É um absurdo, uma grande sacanagem, uma transgressão, que desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça. Por isso viva tudo que há para viver, enquanto possível for..”

Pedro Bial


“Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um voo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico.
Sem que você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou em uma bola de fogo ou nos 4.000 metros de água congelantes abaixo de você, naquele mar sem fim.
Você que tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o cobertozinho do avião sobre os joelhos.
Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso.

Fim.

Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir os negócios.Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse
amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz,tendo deixado de amá-lo.
Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa temporada.Suas noites de insônia, essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro.Os planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim que tivesse tempo.
Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas tenha se apagado como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais. Fim.

Então, aproveite bem o seu dia.
Extraia dele todos os bons sentimentos possíveis.
Não deixe nada para depois.
Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo.

Não guarde lixo dentro de casa.
Não cultive amarguras e sofrimentos.
Prefira o sorriso, dê risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos e nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança.”
“No fundo, só existe o hoje.”


Coincidentemente li esses dois textos hoje. O primeiro por conta da lamentável morte de Michael Jackson, o segundo recebi de um amigo após alguns lamentos confessados. Quanto ao Jackson, muita gente já falou. Já li em blogs, em sites, gente falando na Tv. O cara era a representação do estranho que nos é familiar. E sobre isso, há um texto ótimo em: http://cezarocarazza.blogspot.com/
Ontem, eu confesso que fiquei chocada. Minha amiga chegou lá em casa e disse rindo: "Michael Jackson morreu." De noite é a hora de contarmos novidades do dia e sempre fazemos piadinhas. Ela contou rindo e eu falei: “Tá me zoando?” Mas só depois eu compreendi aquele riso. Era um riso de incredulidade, de desespero. Michael era um daqueles caras que eu nunca achava que ia morrer. Normal seria ligar a Tv e saber que Amy Winehouse se foi. Talvez ainda assim seria um baque. A morte é mesmo uma piada. Sem graça, mas é. E esse corre-corre, a nossa lista de desejos e afazeres pra amanhã, tudo isso se torna ridículo.

A minha frase do dia é “foda-se”. Sempre andei “dubitando” sobre o significado do foda-se!
“Dubitando ad veritem pervenimus”. Duvidando, chegamos à verdade. Se a frase de Cícero, que inspirou a Descartes a doutrina sobre a dúvida, é “verdadeira” ou não, não sei, mas põe em questão o que passo: passeio entre os dois lados do “foda-se”.

Sempre acho que o que nos diferencia de um cachorro é a cabeça. Há cachorros bem inteligentes, é claro. Mas os mais primitivos fazem xixi onde querem, por exemplo. Se estou sentada na cadeira do trabalho e sinto vontade de urinar (que termo velho), é óbvio, meus caros, que levantarei e caminharei ao banheiro. Esse pode ser um exemplo bem patético, mas pra mim funciona. Esse lance de fazer o que estou com vontade sem pensar nas conseqüências pode ser muito bom, mas às vezes pode render problemas.
Já dizia Leminski:

“que tudo se foda
- disse ela
e se fodeu toda.”

Adoro esse poema. Leminski sabia traduzir em poucas palavras boas ideias, e principalmente os sentimentos. Mas, em contrapartida, se pensamos muito, amanhã pode ser tarde, como bem nos lembram os dois textos acima. Aí fico pensando: fifty-fifty! Temos 50% de chances de nos darmos mal e 50% de nos darmos bem ao ligar o foda-se. Às vezes podemos machucar as pessoas, e o pior de tudo: machucar a nós mesmos. E que dilema.
“No fundo só existe, hoje.” Me diz o moço do segundo texto. Mas peraí, hoje não é o amanhã de ontem?! As cagadas de ontem refletem hoje. “O Grande Mestre” diz que não há o depois. Depois é só pra fazer análise. Aquiagora basta. O depois vem só depois. “Suspender a culpa vem só depois”. É, talvez. O misto de sensações é angustiante. Escolher o caminho é difícil. Talvez Cícero estivesse enganado. “Dubitar”não me trouxe a verdade, só mais coisas pra pensar.
Tudo isso em questão é só uma grande besteira que se passa no meu coração. E essas palavras só pretendem dar conta disso. A verdade pouco importa. O óleo tem que ser colocado aqui dentro. Da minha frigideira, do meu coração.

Onde está o óleo?

Tudo na vida engasga, estaciona, emperra.
Por isso precisamos de um óleo. Azeitamos da porta à economia.
Este espaço é reservado para descobrirmos onde está o óleo.
E em que frigideira podemos colocá-lo.