segunda-feira, 29 de junho de 2009

Uma colher de azeite

O CD está rolando e eu, me arrumando com pressa, vou cantarolando as músicas no passar das faixas. É o CD do “4 Cabeça” que um ex-namorado da minha amiga deixou lá em casa de herança “pós-namoro”. A banda composta por Baia, Gabriel Moura, Luis Carlinhos e Rogê tem algumas músicas reflexivas, outras divertidas. O vai e vem de pega blusa, penteia cabelo, coloca o texto da aula na bolsa e etc. poderia deixar passarem despercebidos àqueles versos. Mas, “O Grande Mestre” sempre fala: o inconsciente pega. Se os versos em questão falavam de algo que se passava em mim era natural que, mesmo distraída, eu prestasse a atenção. A letra como um todo fala de coisas que, atualmente, não são de grande relevância para mim. Por isso, apenas colocarei o trecho que me afetou:

“Não é lenda não é crendice
Pura verdade quem é fraco não resiste
Tem que ser forte muito guerreiro
Que desarmado não se entrega ao desespero
Que vai à luta de peito aberto
Matando a sede nas areias do deserto da vida
Que testa a cada dia o poder de se manter viva”

Carcaça – Composição de Luis Carlinhos / Baia / Fuzuê

Se quiserem saber mais da música: http://www.letras.com.br/luis-carlinhos/carcaca

Para complementar, uso as palavras de MD Magno.

Revirão: uma coisa que revira, que vira ao contrário, que dá uma cambalhota. O Revirão, que aqui se torna um conceito preciso, é necessária conseqüência da LEI. Se não há Morte, se o não-Haver não há, se não há passagem para outro lado, o movimento se extenua contra uma parede indepassável, seu próprio limite, e retorna para ‘dentro’ do seu próprio campo. O simples fato de haver retorno do movimento pulsional, de não haver saída para ele, de ele não encontrar esgotamento num ‘fora’ que não há para o campo do Haver, já significa a quebra de simetria que instala o que Freud pensava como castração, ao mesmo tempo que nos impõe a idéia de um reviramento ao contrário, um avessamento enantiomórfico, como se fosse uma reversão pelo avesso diante de um espelho. Por quê? Pelo simples fato de que se buscava o simétrico radical do Haver, enantiomorficamente radical, que só pode ser o não-Haver. Em não havendo não-Haver, isso revira para ‘dentro’, ao contrário da sua intenção de passagem. E só isto já constitui um reviramento pelo avesso.”

Esse texto do Magno é ótimo, explica muita coisa. Quem se interessar: http://www.sinergia-spe.net/editoraeletronica/autor/044/04400800_3.htm

Eu peguei esses dois trechos para falar disso: revirar. Matar a sede nas areias do deserto. Ou como diz um amigo querido: dar nó em pingo de éter. A água em temperatura ambiente demora a evaporar, certo? O éter não. Evapora muito rápido. Então dar nó em pingo de éter é o mesmo que se deparar com o nada. Em determinados momentos da vida, passamos por isso. Às vezes ficamos estagnados, meio sem direção, sem saber pra onde ir, ou mesmo sem saber se queremos ir pra algum lugar. Há quem ache que isso é depressão. Eu já acho que é a angústia natural da vida. Seria mais cômodo me entupir de Rivotril e afins. Mas... às vezes encarar o mundo é a melhor solução. Passar pela angústia tem seu preço, mas o aprendizado compensa.
Fico pensando no tal do Revirão de Magno como um óleo. De cozinha, ou de máquina. Tanto faz. A propriedade é a mesma. Sabe quando a porta emperra? A corrente da bicicleta engasga? Sempre alguém aconselha: joga um óleo que é uma beleza! Até quando o sujeito fica com uma espinha de peixe entalada na goela: “bebe uma colher de azeite” que desce. Pois é. O revirão me parece isso.
To nesse blá-blá-blá aqui, mais como uma bronca e um desabafo, do que pra construir um bom texto. Venho de semanas nada boas. Com esse misto absurdo de sentimentos: angústia, raiva, frustração, desânimo, decepção. Para completar, o tal do inferno astral, que sempre levo um puxão de orelhas do “Grande Mestre” ao citar esse período. Nos últimos dias me pareceu uma grande conspiração do mundo: dos astros, dos deuses, da roda da fortuna, dos amigos, dos inimigos e seja lá mais do que a gente cisma em pôr a culpa. No fundo, as coisas acontecem, os amigos sacaneiam, as frustrações existem, o inferno astral acontece, a sorte pode não chegar, mas... De verdade? Quem dá o peso e o tom pras coisas, somos nós. Quem decide em ficar entalado ou beber a colher de azeite, somos nós. Quem escolhe ficar à mercê do inferno astral ou não, somos nós. Então me parece que tenho é que tratar de buscar o meu reviramento a ficar reclamando feito uma velha rabugenta. Se eu vou conseguir? Não sei. Mas tentar já é um começo.

Nessa rede de muitas possibilidades, adoro encontrar coisas que toquem, que afetem, de fato. E tive uma nova aquisição, virei fã: http://sensivelldesafio.zip.net/.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Na minha frigideira

“Morrer é ridículo. Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa procurar aquele documento, que você esqueceu onde colocou, fazer revisão no carro, e no meio da tarde morre. Como assim? E os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar? Não sei de onde tiraram esta idéia: morrer, a troco de quê?
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, juntas com algumas contas atrasadas. Deixando para os parentes o dever de arrumar suas tralhas, a mexer em suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira, mas que ninguém era capaz de perceber. Segredos que ninguém conseguiu jamais desvendar, mas que agora todos ficarão sabendo, só porque você morreu. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
Quando a gente tem mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser até bem-vindo, pois já não temos mais as ilusões que nos fazia sempre seguir em direção de alguma coisa, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que não há mais quase nada guardado nas gavetas. Tudo bem, é hora de ir embora... Mas se morremos quando ainda caminhávamos? É um absurdo, uma grande sacanagem, uma transgressão, que desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero. E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça. Por isso viva tudo que há para viver, enquanto possível for..”

Pedro Bial


“Aí um dia você toma um avião para Paris, a lazer ou a trabalho, em um voo da Air France, em que a comida e a bebida têm a obrigação de oferecer a melhor experiência gastronômica de bordo do mundo, e o avião mergulha para a morte no meio do Oceano Atlântico.
Sem que você perceba, ou possa fazer qualquer coisa a respeito, sua vida acabou em uma bola de fogo ou nos 4.000 metros de água congelantes abaixo de você, naquele mar sem fim.
Você que tinha acabado de conseguir dormir na poltrona ou de colocar os fones de ouvido para assistir ao primeiro filme da noite ou de saborear uma segunda taça de vinho tinto com o cobertozinho do avião sobre os joelhos.
Talvez você tenha tido tempo de ter a consciência do fim, de que tudo terminava ali. Talvez você nem tenha tido a chance de se dar conta disso.

Fim.

Tudo que ia pela sua cabeça desaparece do mundo sem deixar vestígios. Como se jamais tivesse existido. Seus planos de trocar de emprego ou de expandir os negócios.Seu amor imenso pelos filhos e sua tremenda incapacidade de expressar esse
amor. Seu medo da velhice, suas preocupações em relação à aposentadoria. Sua insegurança em relação ao seu real talento, às chances de sobrevivência de suas competências nesse mundo que troca de regras a cada seis meses. Seu receio de que sua mulher, de cuja afeição você depende mais do que imagina, um dia lhe deixe. Ou pior: que permaneça com você infeliz,tendo deixado de amá-lo.
Seus sonhos de trocar de casa, sua torcida para que seu time faça uma boa temporada.Suas noites de insônia, essa sinusite que você está desenvolvendo, suas saudades do cigarro.Os planos de voltar à academia, a grande contabilidade (nem sempre com saldo positivo) dos amores e dos ódios que você angariou e destilou pela vida, as dezenas de pequenos problemas cotidianos que você tinha anotado na agenda para resolver assim que tivesse tempo.
Bastou um segundo para que tudo isso fosse desligado. Para que todo esse universo pessoal que tantas vezes lhe pesou toneladas tenha se apagado como uma lâmpada que acaba e não volta a acender mais. Fim.

Então, aproveite bem o seu dia.
Extraia dele todos os bons sentimentos possíveis.
Não deixe nada para depois.
Diga o que tem para dizer.
Demonstre. Seja você mesmo.

Não guarde lixo dentro de casa.
Não cultive amarguras e sofrimentos.
Prefira o sorriso, dê risada de tudo, de si mesmo. Não adie alegrias nem contentamentos e nem sabores bons. Seja feliz. Hoje. Amanhã é uma ilusão. Ontem é uma lembrança.”
“No fundo, só existe o hoje.”


Coincidentemente li esses dois textos hoje. O primeiro por conta da lamentável morte de Michael Jackson, o segundo recebi de um amigo após alguns lamentos confessados. Quanto ao Jackson, muita gente já falou. Já li em blogs, em sites, gente falando na Tv. O cara era a representação do estranho que nos é familiar. E sobre isso, há um texto ótimo em: http://cezarocarazza.blogspot.com/
Ontem, eu confesso que fiquei chocada. Minha amiga chegou lá em casa e disse rindo: "Michael Jackson morreu." De noite é a hora de contarmos novidades do dia e sempre fazemos piadinhas. Ela contou rindo e eu falei: “Tá me zoando?” Mas só depois eu compreendi aquele riso. Era um riso de incredulidade, de desespero. Michael era um daqueles caras que eu nunca achava que ia morrer. Normal seria ligar a Tv e saber que Amy Winehouse se foi. Talvez ainda assim seria um baque. A morte é mesmo uma piada. Sem graça, mas é. E esse corre-corre, a nossa lista de desejos e afazeres pra amanhã, tudo isso se torna ridículo.

A minha frase do dia é “foda-se”. Sempre andei “dubitando” sobre o significado do foda-se!
“Dubitando ad veritem pervenimus”. Duvidando, chegamos à verdade. Se a frase de Cícero, que inspirou a Descartes a doutrina sobre a dúvida, é “verdadeira” ou não, não sei, mas põe em questão o que passo: passeio entre os dois lados do “foda-se”.

Sempre acho que o que nos diferencia de um cachorro é a cabeça. Há cachorros bem inteligentes, é claro. Mas os mais primitivos fazem xixi onde querem, por exemplo. Se estou sentada na cadeira do trabalho e sinto vontade de urinar (que termo velho), é óbvio, meus caros, que levantarei e caminharei ao banheiro. Esse pode ser um exemplo bem patético, mas pra mim funciona. Esse lance de fazer o que estou com vontade sem pensar nas conseqüências pode ser muito bom, mas às vezes pode render problemas.
Já dizia Leminski:

“que tudo se foda
- disse ela
e se fodeu toda.”

Adoro esse poema. Leminski sabia traduzir em poucas palavras boas ideias, e principalmente os sentimentos. Mas, em contrapartida, se pensamos muito, amanhã pode ser tarde, como bem nos lembram os dois textos acima. Aí fico pensando: fifty-fifty! Temos 50% de chances de nos darmos mal e 50% de nos darmos bem ao ligar o foda-se. Às vezes podemos machucar as pessoas, e o pior de tudo: machucar a nós mesmos. E que dilema.
“No fundo só existe, hoje.” Me diz o moço do segundo texto. Mas peraí, hoje não é o amanhã de ontem?! As cagadas de ontem refletem hoje. “O Grande Mestre” diz que não há o depois. Depois é só pra fazer análise. Aquiagora basta. O depois vem só depois. “Suspender a culpa vem só depois”. É, talvez. O misto de sensações é angustiante. Escolher o caminho é difícil. Talvez Cícero estivesse enganado. “Dubitar”não me trouxe a verdade, só mais coisas pra pensar.
Tudo isso em questão é só uma grande besteira que se passa no meu coração. E essas palavras só pretendem dar conta disso. A verdade pouco importa. O óleo tem que ser colocado aqui dentro. Da minha frigideira, do meu coração.

Onde está o óleo?

Tudo na vida engasga, estaciona, emperra.
Por isso precisamos de um óleo. Azeitamos da porta à economia.
Este espaço é reservado para descobrirmos onde está o óleo.
E em que frigideira podemos colocá-lo.