terça-feira, 25 de agosto de 2009

Volta ao passado

Por uma falha da minha memória, esqueci o aviso que a professora de teatro havia dado no último ensaio:nesta semana iniciaríamos meia hora depois do horário de costume.
Pois bem, chego no horário habitual e encontro uma platéia aplaudindo um espetáculo infantil. No final, a professora recebeu flores e foi elogiada pelo diretor da escola.
A porta se abre e vejo, dentro do salão, duas colegas de turma do teatro. Ambas assistiam a peça, a qual suas filhas caçulas faziam parte.Pergunto a elas sobre a atuação das filhotas e, sobretudo, sobre o espetáculo. A mais falante delas me contou que tinha sido hilário e que uma das atrizes mirins, amiguinha de sua filha, esquecera a fala – e que ainda assim, anunciara o esquecimento na pele da personagem: falara com sotaque.
Aquilo me chamou a atenção, fiquei de olho na tal menina. Quando ela desceu do palco, todos a abraçaram como se fosse uma estrela. Houve ate quem perguntasse se o erro fora proposital ou se ocorrera espontaneamente. Ao ouvirem da menina a afirmação áspera de que o erro ocorrera de fato, todos riram e disseram ‘imagine, nem pareceu, nós pensamos que fazia parte do texto’.
Entendo a função psicológica da pergunta.Sei também que é importante afirmar para a criança que o erro cometido é uma bobagem diante da grandiosidade da peça. Mas não podemos esconder o quê patético que há nisso.
Ao ver essa situação, voltei dez anos no tempo e me vi no palco do Colégio Disneylândia encenando ‘Marina e Mariana’ em homenagem a poetisa Cecília Meireles. O texto estava na ponta da língua, fazia dias que eu o repetia diante do espelho, no chuveiro e em todos os momentos em que ficava sozinha. Relembrava todas as marcações ditadas pela então professora e assim, ensaiava.
No dia da apresentação, eu sentia as famosas borboletas no estômago. Um misto de ansiedade, apreensão e alegria por enfim apresentar o que ensaiava há meses.
É chegada a hora. A quadra onde ficava o teatro estava lotada. Uma multidão de acelerar o coração .Eu, Liz, aluna mais velha que eu admirava pelas peças que ela fazia na escola estava no palco vivendo Marina, e Julia, que era da minha turma, fazia Mariana.
Eu comecei a narrar a história e de repente aquele zum-zum-zum da platéia me dispersou e tum: deu aquele branco. Esqueci o texto, os nervos afloraram e comecei a chorar.
Saí do palco para o camarim como que fugisse de uma surra. Surra do meu próprio superego que começava a me castigar ali, naquele instante. Quando desci, todos me aclamaram e fizeram a pergunta: ‘o choro fazia parte da encenação?’ Outros eram ainda mais patéticos: ‘ Nossa, como você é boa atriz’.
Eu tinha dez anos de idade e achava aquela paparicação em cima do meu erro a coisa mais piegas da face da Terra. E isso deu forca as chicotadas do meu superego que me castigou durante anos, até que eu pudesse voltar ao palco com as famosas borboletas, mas sem medo de errar.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O barbeador foi caindo...

Hoje, encontrei Cris, uma amiga que tem uma filha de oito anos. Por coincidência, a pequena também se chama Isabela.
Cris me contou entusiasmada que ontem estava no engarrafamento a caminho de casa quando seu marido ligou perguntando se ela ia demorar a chegar. Ela, certa da impresivibilidade de sua resposta, ficou apreensiva com o que poderia estar acontecendo do outro lado da linha, já que aquele tipo de telefonema no fim do dia era incomum.
Seu marido, então, contou que Isabela chorava sem parar e o impedia de se aproximar dela para contar o que havia acontecido. Pois bem, ele desligou o telefone diante da resposta incerta de Cris.
Um pouco depois, a própria Isabela ligou para Cris, e, soluçando dizia que precisava muito da mãe, o que deixou a pobre genitora muito aflita.
Ao chegar em casa, Isabela sofreu uma espécie de sabatina:
- Você quebrou alguma coisa minha? Falou o que não devia para alguém? Fez alguma besteira?
Enquanto isso, Isabela apenas balançava a cabeça negando cada pergunta e soluçava. A mãe já meio impaciente, num desespero contido perguntou com paciência:
- Então o que que aconteceu, minha filha?
- Sabe o que que foi mãe? – soluçava – Eu fui pegar a escova de dente no armário e o barbeador caiu na minha perna e foi raspando.
Cris, respirando mais aliviada, achou o fato engraçado, mas conteve o riso e indagou:
- Caiu e raspou? As duas pernas?
- É mãe, ele foi caindo, caindo e raspando...
Depois de dizer que não gostaria que Isabela deixasse o barbeador cair em suas pernas e que as rapasse novamente, Cris foi pro quarto e riu.


Precisava contar essa história, porque lembrei de tantas delas que eu contava na infância para minha mãe para disfarçar alguma besteira que eu tinha feito. O mais interessante de tudo isso, é a gente achar, quando tem essa idade (ou talvez não só nessa idade), que os outros vão acreditar nas nossas palavras mirabolantes. Fico pensando quantas vezes minha mãe me enganou dizendo que acreditava no que eu falava, e eu, me achando vitoriosa, comemorava.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O DESEJO é VERMELHO


O desejo escapa. É como o vermelho.
Se há um corte, o vermelho, em forma de sangue, transborda. É como o desejo.
O sangue é uma espécie de borrado.
Nada nos impressiona ao sabermos que o vermelho é a cor do marketing.
Ele mexe com o desejo do consumidor.
Desde empresas de lingeries a lojas de fast-foods utilizam a poderosa cor vermelha para nos atrair.

O vermelho é a pulsão que não tem caminho. É ela por si só. É o pecado em forma de cor.
É a cor em forma de expressão, expressão do que não se tem controle.
Ou do que se imagina que se tem, mas uma hora nos foge, nos escapa.

Vermelho é sedução, é ódio, é paixão. É desejo.