terça-feira, 13 de setembro de 2011

Na frigideira de Laura Zandonadi

Laura Zandonadi tem uma voz encantadora. É fácil identificar, em uma simples conversa, a beleza de seu timbre. Mas uma bela voz nem sempre vem acompanhada de afinação e musicalidade. Esse não é o caso dela.

Niteroiense, moradora de Pendotiba, Laura começou a se dedicar ao canto quando tinha 12 anos. Hoje, aos 24, após estudar em lugares como o Conservatório Vila-Lobos, a Escola Portátil de Música e ter aulas com grandes professores, ela canta com segurança e firmeza, emocionando a quem se dispor ouvi-la com atenção.

Sua particularidade pode ser definida em uma frase: saber separar o joio do trigo. Ela é daquelas que demora a fazer um show, leva tempo para fazer uma canção e escolhe o repertório a dedo. Opinativa e seletiva faz com que o seu trabalho seja claramente autoral.

Tanto que em seu último show (no dia 20 de julho), mesmo com um repertório de outros artistas, a música tinha a sua cara.

Encontro inusitado
Há quem diga que as melhores coisas nascem do improviso. E o último show de Laura aconteceu assim. Convidada para um sarau na casa de um amigo em comum, ela conheceu Eduardo Tozzato, pianista brasileiro que mora em New Orleans há 15 anos. Na ocasião, eles descobriram uma grande sintonia musical e Eduardo a convidou para um Gig (uma espécie de show informal). O resultado foi um show intimista, com um repertório recheado de Caetano e Gil, passando por Stevie Wonder, Norah Jones e Elis Regina. Arranjos jazzistas deram uma roupagem ora mais sensível, ora mais dançante às músicas escolhidas.

Para completar o time, Laura convidou Fábio Fontoura (baterista) e Thaizinho Costa (baixista). No vídeo abaixo você confere um bate-papo com Laura, que conta onde está o seu óleo. Aproveite e deleite-se ao ouvi-la interpretando “Alguém Cantando”, de Caetano.


Onde está o óleo?
Em depoimento ao Onde está o óleo?, Laura conta sua trajetória na música. "Eu me interessei em cantar por incentivo de uma amiga que me achava muito afinada e dizia que eu poderia apurar isso com aulas de canto. Fiz aulas, fui me apresentando, montando banda… Foi algo que começou sem querer, mas desde as minhas primeiras apresentações eu não quis mais sair do palco. Ele virou a minha paixão, o lugar onde eu mais gosto de estar. Eu sempre me identifiquei muito com a música brasileira, então os compositores nacionais são os quais mais me afinizo. Gosto muito de Djavan, Chico Buarque e esses compositores que temos a grande sorte de ter no Brasil."

E como o objetivo deste blog é procurar o óleo alheio, Laura fala da música como o lubrificante de sua engrenagem. "A música faz toda a diferença na minha vida. A música é a minha vida. O meu óleo com certeza esta nela."

Ela também falou o que acha ser fundamental para cada um de nós encontrar o seu óleo. "Não dá pra sofrer as pressões do mercado, da sociedade. É preciso olhar pra dentro para procurar seu próprio óleo. Não vá pelo óleo dos outros, vá pelo seu, seja música, seja economia, engenharia, ou qualquer forma de arte alem da musica, é necessário olhar pra dentro. Se não não engrena e pode nos atrapalhar pelo resto da vida".

Laura continua colocando óleo no seu maquinário. Ontem aconteceu a festa de 75 anos das rádio MEC e Nacional. Um palco foi montado no Campo de Santana, das 13h às 16h, com diversas atrações (em sua maioria artistas pra própria rádio), dentre eles, Laura. Foi um grande programa especial transmitido ao vivo pelas duas estações de rádio. Na ocasião, Laura fez um pout-pourri de músicas da época de ouro da rádio, que têm como tema a resistência da americanização das canções brasileiras, como por exemplo ‘Brasil Pandeiro’, de Assis Valente e ‘Disseram que voltei americanizada’, sucesso gravado por Carmem Miranda.

No dia 17 de setembro, ela se apresentará na Praça Araribóia, em Niterói, às 16h20, na Festa da Música, com “Os pingo da chuva”. Em 2009, Laura juntou-se a Leandro Bronze (Guitarra) Alexandre Stankevicins (Baixo), Eduardo Magliano (Bateria) para uma homenagem aos Novos Baianos. O grupo batizado de “Os pingo da chuva” se apresentou no Teatro da UFF com releituras da turma do Swing de Campo Grande. O trabalho foi tão bacana, que agora, em 2011, eles foram convidados para participar do evento. Confira:

A menina dança

Ouça Laura Zandonadi aqui


terça-feira, 6 de setembro de 2011

Photoria expõe novo conceito de fotografia na ArtRio

A Photoria, conceito de fotografia realizado por Carla Alves e Gustavo Otero há três anos, expõe o seu trabalho artístico na ArtRio, de 8 a 11 de setembro. Esta é a primeira edição da Feira Internacional de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro, que promete levar ao público 80 galerias nacionais e internacionais, abrangendo desde a vanguarda modernista até a arte contemporânea.

Carla Alves e Gustavo Otero são uma dupla de fotógrafos que compartilham seus cliques desde 2009, formando a Photoria. Com uma proposta de autoria coletiva, eles apostam em um novo conceito de fotografia, provando com seu trabalho que dois olhares diferentes apuram muito mais do que poderia ser feito por uma pessoa apenas. Há três anos eles desenvolvem suas atividades artísticas, buscando soluções criativas para seus clientes em ocasiões diversas. Registram eventos, como shows, e fazem também campanhas publicitárias.

O olhar e a percepção da dupla captam não só imagens triviais e corriqueiras, passíveis de serem vistas por qualquer espectador. Sua sensibilidade permite ângulos inusitados, que focam detalhes, a ponto de transformar uma cena. Um palco iluminado com instrumentos musicais, antes do show, pode nos dar a impressão de um mero cenário pronto para receber sua estrela. Vistos da plateia, podem parecer elementos que precisam do artista para ter vida. Não é isso que mostram as fotos de Gustavo e Carla. A beleza de um instrumento com um foco de luz, por exemplo, pode ser apreciada nessa exposição.

E se um objeto inanimado é capaz de provocar emoções quando retratado por olhares artísticos, momentos que têm a arte como pano de fundo transbordam sensibilidade e beleza. Isso pode ser conferido nos diversos shows fotografados pela dupla. Um rifle de guitarra de um artista no auge de seu show e a emoção de um cantor que levanta multidões são alguns dos cliques que poderão ser conferidos por quem passar pelo Pier Mauá.

Tratanto-se da ArtRio, a alma carioca não poderia deixar de ser exposta. O Parque das Ruínas, em Santa Tereza, foi palco da FLIST (Festa Literária de Santa Teresa), em 2010. O clima do charmoso bairro da cidade maravilhosa proporcionou à dupla lindos cliques. Os cariocas também inspiraram a última campanha institucional da rádio SulAmerica Paradiso, patrocinadora da exposição, que retrata a criatividade, a irreverência e a parceria dos nativos do Rio de Janeiro. As belas paisagens irresistíveis não passaram despercebidas aos olhares da Photoria durante o trabalho da campanha.

A exposição da Photoria é uma parceria com a SulAmerica Paradiso, que reúne os trabalhos feitos por Gustavo e Carla para a Rádio Oficial do Rio. Juntos eles mostram ao grande público o prazer de se viver em terra carioca.

SERVIÇO

Data: 07 de setembro de 2011 – restrito a convidados. 08 a 11 de setembro de 2011 – aberto ao público.
Local: Píer Mauá, estande Rádio SulAmerica Paradiso
Endereço: Av. Rodrigues Alves, sem n° / entre os armazéns 2 e 3
Horário de visitação: 12h às 20h
Ingressos: R$ 30 (estudantes, mediante apresentação de carteira, e para maiores de 60anos pagam meia)
Formas de pagamento: dinheiro, cheque ou cartões de crédito e débito.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Camisa de força

Tenho uma estranha mania de inventar diálogos. Andando na rua, circulando dentro de casa ou tomando banho, falo em voz alta conversas que poderiam acontecer entre pessoas que conheço, ou, na maioria das vezes, entre mim e algum conhecido.

Quando estou na rua, sempre me pego sendo observada por alguém que se diverte com a minha mania. Certas vezes disfarço, seguro o “microfone” do fone que está sempre pendurado em meu ouvido e finjo que falo ao telefone.

Minha mãe sempre lança um “você tem que voltar pra psicóloga”. Mal sabe ela é que o eco de sua implicância já me fez falar sobre isso diversas vezes no divã. Naquela época, o então “Grande Mestre” – pegando carona no jargão de Cezar Carazza – dizia que isso era bobagem e a minha “criatividade” deveria ser aproveitada para escrever ou para o teatro.

Outras vezes dava-se um significado, esse mais profundo e instigante, que era esclarecedor sobre o meu modo de agir na vida. Como não é simples me livrar dessa mania, resolvi tentar transformar esse hábito em produção. E para não expor histórias reais, resolvi promover encontros com pessoas que eu gostaria de encontrar um dia e imaginar um possível diálogo.

Fiz uma viagem no tempo e bati um papo com Sigmund Freud. No próximo capítulo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Na minha, na sua, na nossa frigideira

Há momentos na vida em que tudo emperra, engasga. E assim como a corrente da bicicleta que precisa de um óleo para funcionar, como a maçaneta que depois de um tempo precisa de um lubrificante, e como o sexo que sem tesão não funciona, precisamos de algo que faça a nossa vida deslizar.

Pode ser um hobby, ou alguma atividade que seja tão fundamental na vida de alguém, a ponto de se tornar o seu próprio trabalho. A busca deste blog é essa, saber onde está o óleo. O que interessa aqui é ouvir histórias de quem procura transformar a chatice que pode se tornar a vida cotidiana, em momentos de sofisticação do prazer. Esse óleo pode ser a prática de fazer croché, um esporte, arte ou qualquer forma de expressão que dê sentido à vida do indivíduo em questão.

Nesta investigação sobre onde está o óleo alheio, vou atrás de nada menos que meu próprio óleo, ainda para mim desconhecido. Talvez ele seja ouvir histórias e depois contá-las. Ou não. Estou aqui para descobrir. E nesta empreitada, conto com a ajuda de Gustavo Otero, meu amigo e fotógrafo. Dono de uma sensibilidade singular, ele retratará estes personagens com um olhar particular e diferente.

Azeitamos da porta à economia e, tanto no sexo quanto na cozinha, lá está ele. E na sua frigideira, tem alguma coisa agarrando? Onde está o seu óleo?

Mais uma da séria série "Aprendendo com quem sabe"

Mais um dos favoritos!

A Celebridade é um Plebeísmo :: Fernando Pessoa

Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.

A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.

Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.

E é por isso que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos.

Fernando Pessoa, in 'Notas Autobiográficas e de Autognose'

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Quando a gente sente que não sabe escrever...

lê quem sabe!
Um dos meus textos favoritos:

O ex-covarde, por Nelson Rodrigues
Entro na redação e o Marcelo Soares de Moura me chama. Começa: - "Escuta aqui, Nélson. Explica esse mistério." Como havia um mistério, sentei-me. Ele começa: - "Você, que não escrevia sobre política, por que é que agora só escreve sobre política?" Puxo um cigarro, sem pressa de responder. Insiste: - "Nas suas peças não há uma palavra sobre política. Nos seus romances, nos seus contos, nas suas crônicas, não há uma palavra sobre política. E, de repente, você começa suas "confissões". É um violino de uma corda só. Seu assunto é só política. Explica: - Por quê?"

Antes de falar, procuro cinzeiro. Não tem. Marcelo foi apanhar um duas mesas adiante. Agradeço. Calco a brasa do cigarro no fundo do cinzeiro. Digo: - "É uma longa história." O interessante é que outro amigo, o Francisco Pedro do Couto, e um outro, Permínio Ásfora, me fizeram a mesma pergunta. E, agora, o Marcelo me fustigava: - "Por quê?" Quero saber: - "Você tem tempo ou está com pressa?" Fiz tanto suspense que a curiosidade do Marcelo já estava insuportável.

Começo assim a "longa história": - "Eu sou um ex-covarde." O Marcelo ouvia só e eu não parei mais de falar. Disse-lhe que, hoje, é muito difícil não ser canalha. Por toda a parte, só vemos pulhas. E nem se diga que são pobres seres anônimos, obscuros, perdidos na massa. Não. Reitores, professores, sociólogos, intelectuais de todos os tipos, jovens e velhos, mocinhas e senhoras. E também os jornais e as revistas, o rádio e a tv. Quase tudo e quase todos exalam abjeção.

Marcelo interrompe: - "Somos todos abjetos?" Acendo outro cigarro: - "Nem todos, claro." Expliquei-lhe o óbvio, isto é, que sempre há uma meia dúzia que se salve e só Deus sabe como. "Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo." E por que essa massa de pulhas invade a vida brasileira? Claro que não é de graça nem por acaso.

O que existe, por trás de tamanha degradação, é o medo. Por medo, os reitores, os professores, os intelectuais são montados, fisicamente montados, pelos jovens. Diria Marcelo que estou fazendo uma caricatura até grosseira. Nem tanto, nem tanto. Mas o medo começa nos lares, e dos lares passa para a igreja, e da igreja passa para as universidades, e destas para as redações, e daí para o romance, para o teatro, para o cinema. Fomos nós que fabricamos a "Razão da Idade". Somos autores da impostura e, por medo adquirido, aceitamos a impostura como a verdade total.

Sim, os pais têm medo dos filhos, os mestres dos alunos. o medo é tão criminoso que, outro dia, seis ou sete universitários curraram uma colega. A menina saiu de lá de maca, quase de rabecão. No hospital, sofreu um tratamento que foi quase outro estupro. Sobreviveu por milagre. E ninguém disse nada. Nem reitores, nem professores, nem jornalistas, nem sacerdotes, ninguém exalou um modestíssimo pio. Caiu sobre o jovem estupro todo o silêncio da nossa pusilanimidade.

Mas preciso pluralizar. Não há um medo só. São vários medos, alguns pueris, idiotas. O medo de ser reacionário ou de parecer reacionário. Por medo das esquerdas, grã-finas e milionários fazem poses socialistas. Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário. É o medo que faz o Dr. Alceu renegar os dois mil anos da Igreja e pôr nas nuvens a "Grande Revolução" russa. Cuba é uma Paquetá. Pois essa Paquetá dá ordens a milhares de jovens brasileiros. E, de repente, somos ocupados por vietcongs, cubanos, chineses. Ninguém acusa os jovens e ninguém os julga, por medo. Ninguém quer fazer a "Revolução Brasileira". Não se trata de Brasil. Numa das passeatas, propunha-se que se fizesse do Brasil o Vietnã. Por que não fazer do Brasil o próprio Brasil? Ah, o Brasil não é uma pátria, não é uma nação, não é um povo, mas uma paisagem. Há também os que o negam até como valor plástico.

Eu falava e o Marcelo não dizia nada. Súbito, ele interrompe: - "E você? Por que, de repente, você mergulhou na política?" Eu já fumara, nesse meio-tempo, quatro cigarros. Apanhei mais um: - "Eu fui, por muito tempo, um pusilânime como os reitores, os professores, os intelectuais, os grã-finos etc, etc. Na guerra, ouvi um comunista dizer, antes da invasão da Rússia: - "Hitler é muito mais revolucionário do que a Inglaterra." E eu, por covardia, não disse nada. Sempre achei que a história da "Grande Revolução", que o Dr. Alceu chama de "o maior acontecimento do século XX", sempre achei que essa história era um gigantesco mural de sangue e excremento. Em vida de Stalin, jamais ousei um suspiro contra ele. Por medo, aceitei o pacto germano-soviético. Eu sabia que a Rússia era a antipessoa, o anti-homem. Achava que o Capitalismo, com todos os seus crimes, ainda é melhor do que o Socialismo e sublinho: - do que a experiência concreta do Socialismo,

Tive medo, ou vários medos, e já não os tenho. Sofri muito na carne e na alma. Primeiro, foi em 1929, no dia seguinte ao Natal. Às duas horas da tarde, ou menos um pouco, vi meu irmão Roberto ser assassinado. Era um pintor de gênio, espécie de Rimbaud plástico, e de uma qualidade humana sem igual. Morreu errado ou, por outra, morreu porque era "filho de Mário Rodrigues". E, no velório, sempre que alguém vinha abraçar meu pai, meu pai soluçava: - "Essa bala era para mim." Um mês depois, meu pai morria de pura paixão. Mais alguns anos e meu irmão Joffre morre. Éramos unidos como dois gêmeos. Durante 15 dias, no Sanatório de Correias, ouvi a sua dispnéia. E minha irmã Dorinha. Sua agonia foi leve como a euforia de um anjo. E, depois, foi meu irmão Mário Filho. Eu dizia sempre: - "Ninguém no Brasil escreve como meu irmão Mário." Teve um enfarte fulminante. Bem sei que, hoje, o morto começa a ser esquecido no velório. Por desgraça minha, não sou assim. E, por fim, houve o desabamento de Laranjeiras. Morreu meu irmão Paulinho e, com ele, sua esposa Maria Natália, seus dois filhos, Ana Maria e Paulo Roberto, a sua sogra, D. Marina. Todos morreram, todos, até o último vestígio.

Falei do meu pai, dos meus irmãos e vou falar também de mim. Aos 51 anos, tive uma filhinha que, por vontade materna, chama-se Daniela. Nasceu linda. Dois meses depois, a avó teve uma intuição. Chamou o Dr. Sílvio Abreu Fialho. Este veio, fez todos os exames. Depois, desceu comigo. Conversamos na calçada do meu edifício. Ele foi muito delicado, teve muito tato. Mas disse tudo. Minha filha era cega.

Eis o que eu queria explicar a Marcelo: - depois de tudo que contei, o meu medo deixou de ter sentido. Posso subir numa mesa e anunciar de fronte alta: - "Sou um ex-covarde." É maravilhoso dizer tudo. Para mim, é de um ridículo abjeto ter medo das Esquerdas, ou do Poder Jovem, ou do Poder Velho ou de Mao Tsé-tung, ou de Guevara. Não trapaceio comigo, nem com os outros. Para ter coragem, precisei sofrer muito. Mas a tenho. E se há rapazes que, nas passeatas, carregam cartazes com a palavra "Muerte", já traindo a própria língua; e se outros seguem as instruções de Cuba; e se outros mais querem odiar, matar ou morrer em espanhol - posso chamá-los, sem nenhum medo, de "jovens canalhas".


RODRIGUES, Nélson. In A cabra vadia (novas confissões), Livraria Eldorado Editora S.A., Rio de Janeiro, s/data, págs. 7-10.