quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Sem fantasia

Pegou o isqueiro, ameaçou acender um cigarro. Hesitou. Olhou para o lado e contemplou os cabelos daquela mulher. Eram dois corpos relaxados pelo exercício do prazer, ali, esticados na horizontal. Esqueceu-se momentaneamente do ímpeto de fumar que tivera há dois segundos. Não era fumante. Mas se achava protagonizando um filme europeu quando acendia o tabaco depois de transar.

Teve um surto. Nunca antes tivera coragem de pedir a nenhuma mulher que realizasse alguma fantasia. Às vezes batia papo na internet e fazia meia dúzia de sacanagens via webcam. Mas no tête-a-tête algo lhe impedia. O medo de um fora, talvez. Mas naquele dia teve coragem.

Fechou os olhos - num quase não querer sentir a resposta, apenas ouvir - e ao pé do ouvido susurrou:

- Tenho loucura em te ouvir cantar.

Travou. Respirou. Tentou decifrar o silêncio que teve como resposta. Franziu os olhos, numa crença de que se os fechasse ainda mais pudesse ter mais coragem. Pegou fôlego como se fosse atravessar uma piscina a nado e continuou:

- Mas não assim, no dia-a-dia. Queria que se vestisse como uma diva e interpretasse uma música. Com vigor, meio dramática. Aqui. Na cama.

Continuou de olhos fechados. Parecia que assim doeria menos a suposta negativa.

- Mas você sabe que sou tímida.
- Mas essa é a graça.
- Como assim?
- Se você não tivesse vergonha eu não teria tanta vontade.
- Eu hein...
- Por favor. Não te peço mais nada. Juro.
- Que prazer mais besta...

Calou-se. Estampou em seu rosto um descontentamento amargo. Não resmungou. Não gostava de pirraça. Virou-se para o lado e dormiu. De forma crescente debatia-se enlouquecidamente. A mulher, semiacordada, espiava sem entender nada. Com um penteado adequado e uma idumentária de diva, ela cantava uma canção de Dalva de Oliveira. Por alguns instantes hesitou. Olhava para baixo como quem não conseguia encarar a plateia. Tomou um gole de whiskey e no microfone fake mudava a canção, num rompante, para um clássico de Maria Bethânia. Incorporou. Apropriou-se da música como a paixão se apropria da alma. Já sem pudor algum, ia ao pé do ouvido de quem havia clamado por aquela encenação e cantava.

Fizeram o melhor sexo de sua vidas até aquele momento. Acordou e gozou. Voltou a dormir triste porque era sonho.