segunda-feira, 23 de abril de 2012

The cure?

A cultura está doente e esta não é mais nenhuma novidade. Os "programas" oferecidos ao nosso hardware não nos satisfazem mais e há que se procurar outras formas de aproveitar essa confusão chamada vida. É por isso que evito ver televisão, ler jornais (principalmente as editorias de cidade e afins), além de ultimamente usar com parcimônia as redes sociais que nada mais são senão o reflexo de nós, seres humanos. Mesmo que essa atitude seja muito contraditória com a profissão que escolhi.

Vejam bem, não é por uma questão intelectual. Não sou Rimbaud, nem tenho a pretensão em sê-lo. É apenas em favor de minha saúde mental que tento, por vários motivos, preservar. E ainda que eu não queira me contaminar com ideias que não valem mais, vivo neste planeta chamado Terra e vezes por outras não dá para ignorá-lo, certo?

Foi num desses pousos que assisti neste sábado um trecho do capítulo de Avenida Brasil, novela de João Emanuel Carneiro. Na ocasião, a personagem de Adriana Esteves pagava um dinheiro qualquer a José de Abreu para que ele lhe informasse onde estava uma personagem a qual Adriana maltratou no passado. Logo descobri que se tratava de Débora Falabella, que espreitava e ouvia a conversa entre os dois.

Na cena em seguida, a mesma Adriana fazia um discurso em prol da família, a favor da união e em detrimento de supostos "destruidores", pervertidos e etc. Aquilo me chamou a atenção. Logo depois aparece Alexandre Borges encrencado e minhas primas logo me avisam que ele na novela possui duas mulheres e uma amante. Aí está o jovem João Emanuel conseguindo trazer à tona os discursos em falência. A personagem de Adriana representando diversas mulheres por esse mundo a fora, que fazem questão de reforçar o ideal de família e que também fazem das suas.

Na mesma linha segue o personagem de Alexandre, que mostra uma outra configuração dos personagens de novela, diferente da usual em que os bons moços são sempre perfeitos e fieis dentro de seus casamentos.

Ora, e porque não, para reforçar, dar uma mexida em meu favor no ditado “a vida imita a arte”? A arte imita a vida e quero lembrar o caso do Presidente da WWF flagrado caçando elefantes na África. Não tenho nada a ver com a vida deste senhor e pouco me importa sua função e o que faz nas horas de lazer. Aliás, tenho a dizer que todos fazemos das nossas, no micro e no macro, e que nesta Terra não há ninguém santo.

O que quero deixar claro é que esses exemplos, tanto os da novela, quanto o do sr. Juan Carlos I, também rei da Espanha,vêm para nos mostrar mais uma vez o quanto o programa cultura está falido nesse modus operandi em que se encontra.

Ponto para a novela que largou mão do habitual clichê maniqueísta babaca que classifica os personagens em bons e maus, nobres e vis. E que neste ponto é sempre válido dar uma espiada no que acontece no mundo para tentarmos buscar uma cura, ainda que individual, para esta doença cultural.

Quando o sr. fulano caça o seu animal, serve de espelho para nós que nos afiliamos à Associação de Proteção de Borboletas do Afeganistão e levantamos todas as bandeirolas desde questões sexuais à políticas em geral. A ideia aqui não é arranjar uma desculpa para tornarmos o mundo em um caos total e assim fazermos o que nos der na telha, já que nada presta.

Pelo contrário. Ao nos enchermos de bandeiras para defender, de pessoas para acusar como o tal presidente, de ideais mesquinhos para esbravejar, acreditamo-nos mais nobres e nos esquecemos das vilezas as quais não estamos livres de cometer, como qualquer ser humano. Acredito que nos limpando dos programas repetitivos e falidos da cultura, temos a chance de refletir cada vez mais sobre a nossa posição no mundo, como tratamos quem está do nosso lado, como vivemos as nossas variadas relações, e somos capazes de enxergar os nossos atos, os bons e os ruins, já que não estamos livres de ambos.

Está marcado na espécie... Assim, quem sabe, podemos dar um upgrade no nosso software pessoal e aí então colaborar para o programa cultura.

Acho que a esperança é sempre algo ilusório e funciona como um emplastro. Mas o apocalipse também é uma grande bobagem. Atitudes como a da novela e a do presidente da WWF tendem a crescer e nos ficar evidente. Talvez, aos poucos, essa angustiante fase de transição que o mundo vive possa descambar para algo diferente.

Que seja para melhor!

Finalizo com o meu poema favorito do Drummond para mostrar que isso aqui nada mais é que um falatório repetido, no entanto, necessário:

O homem; as viagens

domingo, 22 de abril de 2012

Adendo para rodas de viola


onde queres chico eu sou caetano
onde queres um nome eu sou fulano
onde queres o ócio eu sou suor
onde queres palavra eu sou prazer
onde queres silêncio eu sou barulho
onde queres a paz eu sou o orgulho
onde queres dinheiro eu sou a arte
onde queres veloso eu sou buarque

sábado, 21 de abril de 2012

Work in progress



É o produto da interseção do que fomos/estávamos, somos/estamos e seremos/não seremos.
O elo ou a assimetria (sempre mais forte) dos quereres, estares sempre ou de vezes em quando a fim do que em nós nos é tão desigual, ou extremamente parecido e familiar, que pulsa e repulsa quando nos parece estranho.

Mais simples do que pensamos, mais fácil do que esperamos, menos perfeito do que idealizamos e ad infinitum incompleto, faltoso e excessivo, simultaneamente.

Nada é tão perene que não possa ser modificado daqui a quinze minutos; e sigamos na busca.

Work in progress porque precisamos de reparos eternamente!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Hiperlinks da vida cotidiana

Conversávamos eu e Palimpsesto sobre memórias e lembranças; as doces e as amargas. Falávamos especificamente das reminiscências olfativas, de como o cheiro de algo ou alguém que tenha marcado determinada etapa das nossas vidas, sentido novamente tempos depois, traz à tona cenas ricas em detalhes em nossas cabeças.

Lembrei na hora daquele documentário com Maria Bethânia, de Georges Gachot, chamado “Música é perfume”. Emendei então sobre o poder parecido que a música tem ao do cheiro no quesito ‘reativar memória’.

Algumas poucas horas depois do papo, voltava para casa e liguei o rádio já sintonizado na Roquette-Pinto. Às quartas-feiras, das 21h às 22h, a Roquette apresenta o programa Choros, chorinhos e chorões com um repertório fascinante que vai de Jacob do Bandolim a Pixinguinha, passando por Ernesto Nazareth e outros grandes nomes do gênero musical. Na ocasião tocava Delicado, de Waldir Azevedo.

Esta foi a música que fez com que eu me apaixonasse pelo cavaquinho e querer aprender esse instrumento que representa tanto o lamento quanto a alegria de uma forma belíssima.

Retornei, então, aos meus doze anos. Meu pai tinha um carinho especial por um CD meu já falecido tio Jurael tinha gravado. Ele era cavaquinista e até quase o fim de sua vida tocou em serestas pelos restaurantes da Região dos Lagos. Foi quando um câncer na laringe o privou de cantar, a segunda coisa que mais gostava de fazer no palco, e logo depois, de tocar. O fato é que meu pai colocava aquele disco no CD player do carro e eu, no carona, apertava o dedo no repeat quando chegava Delicado. Um tempo depois, sem nem me tocar, dei ao meu pai um CD do Waldir Azevedo que tinha a versão original da música, não menos bonita.

Ao ouvi-la ontem, lembrei de todo esse tempo e confirmei empiricamente o papo de horas antes. São os hiperlinks da vida cotidiana.

Curiosamente, quando fui tentar aprender cavaquinho me esqueci dessa música completamente. Mas é sempre bom ouvi-la:

sábado, 14 de abril de 2012

Assobiar e fumar canna(bis)

Sempre ouvi um papo de que maconheiro é parceiro. A primeira vez que essa “lenda” apareceu nos meus ouvidos foi contada através de um amigo da escola que me dizia de modo engraçado o poder de socialização da cannabis. Entre os impropérios – era só o que eu conseguia considerar ao ouvi-lo falar – estava o fato de que todo mundo compartilha a erva e tenta livrar a cara do amigo-companheiro-de-fumo quando este se encontra em apuros.

Todo esse blá-blá-blá me veio à cabeça depois de uma cena memorável na Praia de Ipanema, mais precisamente ali no nove e meio. Virada de frente pro sol, nem tão perto da praia que a onda chegasse a molhar meus pés, nem tão longe que eu não pudesse levar uma bolada caso os peladeiros exagerassem a mão (ops, o pé), à minha esquerda não precisava forçar uma inspiração para sentir uma marolinha adentrando as narinas. Nem dez minutos depois, um menino de boné e bermuda se aproximou da gente para perguntar se tínhamos seda.

Não demorou muito após a nossa negativa para que um assobio intenso tomasse conta da praia. O meu relaxamento oriundo do banho de mar quase que não se preocupou com o acontecimento não fosse o comentário da minha amiga: “Essa camaradagem entre os maconheiros é muito engraçada”. Aquela conversa no pátio da escola veio à tona naquele instante seguida da minha indagação: “Por que? É um aviso?” Ao passo que ela me respondeu que o ato indicava a Polícia chegando.

Logo em seguida o assobio deu lugar a uma vaia alta, em coro, por uma praia liberal que se opunha a plenos pulmões à dura em pleno Posto 9. Com o perdão da plenitude. E como se nada acontecesse a cem metros de nós, um fulano à minha esquerda (um outro) apertava o seu beque na maior tranquilidade.
O sol já tinha ido embora e a fome (não a larica, no nosso caso) batia. Mais à frente, enquanto batíamos a areia para ir embora, vimos o policial falando: “cê tá na praia, vem uma senhora com os filhos pequenos e têm que ficar vendo você fumando?!”. Na mesma hora passou um casal e a mulher, rindo, comentou: “tão dando dura aqui?! Vão ter que prender a praia inteira então”. E gargalhou galhofeira. Eu embarquei na canastrice e ri também, ali, na cara dos policiais. Ora porra. A Polícia “invadir” o 9 em busca de “cannabizeiros” é o mesmo que a Santidade querer se aboletar na Augusta com suas putas faraônicas. Só pode ser piada.

Nesse ínterim, não me dei conta se havia um outro carro e se o “companheiro” que levou a prensa tinha sido ou não levado pelos “homi”. O fato é que se essa fosse a intenção dos homens da lei, ia faltar camburão pra tanto consumidor.

domingo, 8 de abril de 2012

Unheimlich

Aproximando-se o prazo de entrega do meu trabalho de monografia, tomei uma decisão: afastar-me por um tempo do facebook. Ver as minhas horas de estudo serem consumidas por aquela ferramenta me criou um pânico e me fez tomar a atitude.
Nesses dias sem utilizá-lo pude perceber algumas coisas. A internet, em sua criação, tinha uma ideia de “não-espaço e não-tempo”. Temos um mundo virtual, onde não interessa se alguém está no Japão ou no Brasil e junto a isso, seus fuso-horários. Tudo isso fruto de como nomeou meu querido Cezar Carazza, inconsciente capitalista – que tudo quer e tudo pode. Pois bem. Dá-se o fato que as relações econômicas do mundo globalizado ficaram mais fáceis, vide as teleconferências realizadas entre os dois países mencionados (ou entre outros quaisquer) pelas grandes empresas.
Mas o curioso é que a vida “real”, por assim dizer, invadiu essa coisa andrógena chamada virtual. Essa tecnologia, que a todo momento nos favorece e isso não podemos descartar, tornou-se algo curioso. A ideia de não espaço e não tempo projetada para a internet foi quebrada. No facebook parece que esta precisão de espaço e tempo precisa ser reafirmada pelo humano. Seria um retrocesso? Nós, que, nos acostumávamos há uma década com a ideia dos bate-papos e chats com estranhos e explorávamos aí o desconhecido, agora “retrocedemos” a nos limitar ao nosso ciclo de “amigos” e mesmo sem estar com eles, sabemos onde estão ou onde estiveram e a que horas, através de marcações, fotos, check-ins.
Seria essa uma falta de habilidade da nossa espécie em lidar com o estranho? De não ver no novo uma possibilidade de conhecimento? Vejo nessa cultura do “espetáculo”, e agora não mais o espetáculo de Debord. Mas o espetáculo onde todos somos atores e expectadores da mesma novela chamada facebook. Reforçamos ali a nossa organização de tempo e espaço, em que precisamos cada lugar e cada hora.
Há aí uma grande mudança nas relações, reforçando um falso controle de umas sobre as outras. É evidente que há aí, um recorte em determinada parte da sociedade, já que nem todas as pessoas do mundo são usuárias do facebook. Ou nem todos os usuários do da ferramenta são “hard users”. O fato é que podemos observar detalhes da nossa espécie como o despreparo para lidar com o desconhecido, com o que não tem data/hora/lugar. Isso me lembra aquele filme “O curioso caso de Benjamin Button”, onde o personagem principal, interpretado por Brad Pitt, vive a ordem inversa do tempo cronológico. Ele nasce velho e vai se tornando jovem ao longo do tempo. Tem uma cena simbólica onde um relógio passa a girar ao contrário. Lembro que quando assisti a este filme, vi acompanhada de alguém que me disse: “Acho que esse relógio representa o século vinte”. Na sua explicação, se referia às questões tecnológicas, que davam um frescor ao mundo transformando-o o seu “espírito” mais jovial.
Talvez seja um pouco isso e acho boa essa colocação. Mas ao mesmo tempo em que toda a tecnologia – que vem sempre para melhorar, mas o seu uso é o que o determina (sem maniqueísmo de bom ou ruim) – traz essa sensação de novidade e suavidade, transformando o peso de um livro grosso e empoeirado em um texto virtual lido num tablet, traz também o reforço das nossas imperfeições humanas , como a necessidade do controle cronológico, do tempo e das pessoas.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O dia em que encontrei Manoel Carlos

Nem só de encontros fictícios vive este blog. Se a imaginação teve de ser útil para que meu encontro com o velho Freud fosse possível, prescindi dela para dar vida ao rendez-vous com aquele que é o mito das novelas da Globo. Embora o "cenário" da minha vida atual seja ironicamente representado pelo Leblon e eu tenha uma chefe (não a direta, mas a superior) chamada Helena, foi na livraria Travessa de Ipanema que o vi.

Estava de costas comentando qualquer bobagem com uma amiga e ela espontaneamente falou: "Ih, olha o cara que você tem que entregar o seu currículo". Olhei para trás e ele nos cumprimentava, sem graça. Não mais do que eu, evidentemente.

Ele parecia em casa, olhando os livros. Mesmo andando com dificuldade, apoiado por uma bengala, ele subiu as escadas da livraria. Imaginei que estivesse tomando um café e lendo alguma coisa no andar de cima. É o que a gente (eu, pelo menos eu) imagina de um escritor que tem suas tardes "livres".
Enrolei um pouco e subi para ver o que ele fazia. Na verdade conversava com um dos vendedores. Acho mesmo é que tinha encomendado algum livro que não tinha chegado. Depois desceu as escadas lentamente e cumprimentou um outro vendedor que perguntou:
"E o garoto?"
"Tá em Nova York, estudando"
Depois foi deixando a loja enquanto eu e minha amiga fingíamos olhar as lombadas de alguns livros, esperando ele sair. Saímos também, observando ele falar no celular. Seu motorista chegou, ele entrou numa Land Rover e seguiu sem sabermos para onde.
Assim foi nosso rápido e fugaz encontro. Gosto dele. Não vejo televisão quase nunca, tampouco novelas. Acho até que a última que acompanhei era de sua autoria. Embora sempre com o mesmo estilo e histórias parecidas que têm ingredientes repetitivos (pode-se ler traços obsessivos ou estilo - a gosto) como cenário e nomes de personagens, gosto do tom sofisticado que dá aos seus diálogos (pensando no formato televisivo) e a ficção por ficção.

Além disso, por mais que o pano de fundo seja chique, com pessoas ricas e uma vida surreal para a maioria dos brasileiros, ele sempre trata de temas universais, passíveis de acontecer com qualquer um de nós, meros mortais.

Fiquei contente com o encontro.

domingo, 1 de abril de 2012

Perpetuidade(...)

Ilustração do designer e blogueiro do NYT, Christoph Niemann

“(...) vai perceber que liberdade perpétua é tão perigosa quanto a prisão perpétua, porque o problema não é liberdade ou prisão, é a perpetuidade, a repetição idêntica que, para mudar a história, precisa parar. Sei que é difícil, a tendência humana é repetir, por isso, o novo ano repete os mesmos rituais do ano anterior, só que as pessoas que fazem a mesma coisa nem sempre são as mesmas.”Alberto Godin


Era um domingo nublado quando fechou as páginas da revista que continha aquelas palavras. O colunista que havia escrito não era alguém de quem fosse fã. Pelo contrário. Eventualmente considerava seus textos um tanto quanto piegas. Mas sempre teve em sua mente que a escrita como ofício era um exercício. Um dia podia sair bom, em outro não. Era essa a premissa que usava para ler aquele cara, mesmo sabendo que não gostava muito do seu trabalho.

Achou pertinente não o conjunto da obra, mas aquele recorte em si. Resolveu deixar a praia, já que o tempo estava esfriando e o vento começava a incomodar. Entrou no carro, e, antes mesmo de colocar a chave na ignição, ligou o rádio, como de costume. Tocava uma versão de Maria Rita que dizia Repetindo/ repetindo/ repetindo/ como num disco riscado/ o velho texto batido. E parou por aí. Lembrou da perpetuidade que o colunista falara.

Era isso. Aquela sensação de repetição, de inércia, de um disco riscado o fazia incorporar a própria enceradeira: rodava, rodava, rodava e não saía do lugar. Era assim com tudo. Com as relações com a família, com os amigos, com as namoradas, no trabalho, com as piadas que contava. Só não se dava conta. A princípio tinha a ideia de que estava sempre nessa dicotomia entre liberdade e prisão. Sempre intimamente ligadas a desamparo e conforto. Vivia o paradoxo: quando experimentava ser livre, não se sentia sozinho, mas sem amparo. Mas quando se sentia aprisionado, era comprado pelo conforto. E era nesse impasse de liberdade e prisão que estava calcada a sua repetição, ou, como diria o colunista, a perpetuidade.

Após trafegar apenas um quarteirão, lembrou-se que havia esquecido de pagar sua conta na barraca da praia. Na volta, deparou-se com um bate-boca entre uma senhora e o vendedor da barraca que discutiam o valor final que ela tinha que pagar. Um sujeito, aparentando uns 45 anos, pele morena escura queimada de praia, com algumas tatuagens, chegou e apaziguou. “Qual o problema?” E no mesmo instante em que assuntou o que acontecia ali, o sujeito tirou alguns reais da carteira e resolveu a situação. Sua impaciência em voltar para o carro, mal estacionado no quarteirão adiante, deu lugar a uma intriga: que sujeito era aquele?

Foi assim que Edmilson, que gostava de ser chamado de Ed, entrou na sua vida. Alegre, provavelmente alcoolizado, ele ouvia umas músicas no celular em um volume alto, caracterizando mais que uma cafonice, uma falta de respeito por quem estava do lado. Deu de ombros àquela postura e imaginou que por trás daquela postura pouco polida havia muito mais. Sentaram na areia, e, Ed, com dez minutos de conversa, falou sobre sua vida. Sua história com sua mulher, que ao mesmo tempo em que era sua companheira, lhe dava dor de cabeça. Ed ia à praia atrás de affaires com homens. Não explicitou, a princípio, como isso funcionava. Mas deixou claro que aquela era uma prática recorrente. Trocaram telefones para uma eventual saída.

Não havia se sentido atraído por Ed, mas aquela leveza e facilidade de lidar com a vida o encantaram de certa forma. Se viram novamente. Ed não era um cara muito articulado. Suas frases às vezes não terminavam. Parecia que não conseguia explicar em palavras o que estava pensando ou sentindo. No entanto, possuía uma percepção diferenciada. Embora não tivesse ideias concatenadas, deixava transparecer sensibilidade para as coisas.

Olhava para Ed e reconhecia que já havia feito em si mudanças positivas, no seu ponto de vista. Lembrou de toda sua formalidade de antigamente, de como era duro, não no sentido grosseiro, mas sem malemolência e gingado necessários pra lida com a vida. Recordou-se das experiências obtidas e um meio sorriso brotou em seus lábios à medida que percebia o seguinte: sua estrutura fechada e rude parecia se abrir aos poucos. E ainda que lhe faltasse o traquejo e a facilidade de dar tons leves à vida, como lhe parecia ser o caso de Ed, notava que tinha tido avanços ao longo do tempo.

Mas uma coceira, um mal-estar pulsante, fazia ecoar em sua mente aquela sensação de enceradeira, de disco riscado. Parecia que a sua repetição e a falta de ruptura o fazia sempre morrer na praia. Todas as indagações que fazia a Ed, na esperança de que pudesse achar a fórmula ou a solução para o seu dilema, tornavam-se inúteis.

Eis que Ed um dia, após muitas conversas, lhe diz. “Cara, sabe o que acontece? Você ta sempre numa direção, você parece o metrô, bicho! Vive em linha reta. Não faz zigue-zague, não vai para outros cantos”. Ele riu.

Talvez o que Ed quisesse dizer é que suas expectativas é que estavam cristalizadas. Tudo o que via era apenas e somente um plano. Um caminho. Porque achava que a vida era feita de um caminho só, com metas cumprir, tarefas a fazer. A perpetuidade estava aí, no seu pensamento, nas suas expectativas, na dificuldade de enxergar o que estava por trás daquela repetição.

De que adiantava nos novos anos, as pessoas serem outras – como dizia o colunista –, de que valia então viver as dicotomias, se as suas questões eram perpétuas? Se o seu modo de ver a vida era igual e imutável? Ele precisava era abrir outras trilhas, necessitava de outros caminhos, só assim dissolveria o que parecia inquebrável. Foi a conclusão que tirou.