terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Das vantagens de crescer em uma cidade de praia...

Caminhando pelo Leblon depois do almoço dia desses tive uma recordação. Eu voltava para o trabalho, enquanto algum sortudo ia ou retornava da praia com um cheiro de sundown impregnante. Lembrei dos tempos áureos de férias escolares em que os dias
eram longos e intermináveis. Quando saía de casa de manhã apenas com uma roupa de praia e algum trocado no bolso e só voltava de noite. Isso em São Pedro D' Aldeia. Pegávamos o busão para Cabo Frio, já fazendo a farra lá mesmo e íamos para a praia
Por lá ficávamos horas e horas. Fizesse sol ou não. A questão não era só tostar - isso nunca foi o mais importante. O bom era ficar dentro d'água, passear de um lado para o outro da areia vendo as pessoas passarem. Ver os comerciantes de 500 mil iguarias, desde o tradicional sorveteiro ao exdrúxulo vendedor de agulhas. Queijo coalho, pipoca, o famoso açaí do Russo, pizza, roupas de todos o o picolé Kai Bem que nos fazia rir com a tosta paródia de Roberto Carlos com a musiquinha "Eu vou te dar o céu meu bem e um picolé Kai Bem". Dando um check no youtube, vi a modernização da propaganda. Agora o sujeito fica com uma melancia na cabeça cantando um funk para chamar a atenção da clientela, enquanto outro dá um grito histérico.

As mil histórias que passávamos com os turistas eram hilárias. De noite aquele cheiro de maresia mais forte anunciava que já era hora de voltar pra casa. E lá entrávamos no ônibus, tarde da noite, cantando em ritmo de férias, atrapalhando a viagem de quem voltava do trabalho, achando que tudo era festa.

Pode parecer um saudosismo barato de uma época com poucas preocupações. E é. Mas o fato é que era delicioso. E dos pormenores das cidades praianas ficam algumas coisas: outro dia me perguntaram o que era tarrafa. Arregalei os olhos como se estivessem me perguntando o que era papel ou qualquer coisa muito banal.

Depois ri e me lembrei que tarrafa não é tão comum assim e que para mim era ridículo saber aquilo justamente por ter sido criada ali, perto da praia. A velha e estranha mania que temos de pautar a vida dos outros pela nossa.

É evidente que tarrafa é uma palavra comum - utilizada em um universo específico, é verdade - mas não chega a ser um jargão. Mas se houvesse um jargão litorâneo talvez ela estivesse presente. Como diversos nomes de peixe. Muita gente já deve ter ouvido falar em tainha. Mas carapicu? Alguém se manifesta? é um peixe muito gostoso, pequenininho, bom de comer frito. Iguaria da região.

Você já ouviu falar em macega? Pois é, macega é um capim muito alto, com difícil passagem. Nós costumávamos dizer ironicamente que morávamos na macega. Mais precisamente em Macega City. Não sei bem como as outras cidades se relacionam com o vento. Mas lá era comum ouvir alguém mais velho dizer que estava sentindo dor pela mudança de tempo. "Bate esse vento sudoeste e minha coluna fica assim, doendo", dizia minha tia.

Se eu vento era sudoeste ou nordeste era simples saber. Era só caminhar na praia e ouvir alguém falando. Se não soubesse, era só perguntar a um pescador.

Além de tudo tinha os mitos: "a cigarra está cantando porque vai chover". Bons tempos. Ainda que seja sempre melhor crer que nenhum tempo vale mais que o presente.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Que o mel é doce, é coisa que me nego a afirmar...

Se me perguntassem o que Denorex, Raul Seixas e René Magritte têm em comum eu acharia que era alguma piada. Mas há mais proximidade entre o xampu - que fez sucesso com o comercial "Parece,mas não é", o cantor baiano e o pintor francês do que crê a nossa ignorância.

Em Faça, fuce, force - Raulzito afirma uma negativa brilhante: "Que o mel é doce é coisa que me nego a afirmar, mas que parece doce, isso eu afirmo plenamente." Tanto essa frase de Raul,como o famoso quadro de Magritte (Ceci n'est pas une pipe - Isso não é um cachimbo) tratam da mesma coisa.

O parece, mas não é - simplificado pela sacada publicitária - define tudo. No caso do quadro, me parece que foi um protesto da interpretação da arte ipsis litteris. Como quem diz: não, isso não é um cachimbo. Isso é uma pintura. Isso está além da representação de um cachimbo. Além de um ícone. Há nuances aí.

Só podemos afirmar mesmo o parecer - estar aparente - de cada coisa. O ser não existe. Apenas nuances do estar. Quantas vezes se deparou com uma foto sua que exibia um traço ou nuance até então desconhecidos para você?

Nunca foi provocado por uma estranheza uma vez sequer ao se olhar no espelho por um ângulo diferente?

É o grande imaginário que criamos de nós mesmos e do mundo o rsponsável por nos impedir de ver além. Quando há uma simples quebra de simetria, enxergamos a outra faceta. Além da representação da nossa própria imagem, como a do cachimbo proposta por Magritte. Ou da palavra, que define como doce o que tem açúcar. Ou o nosso paladar, que crê que o mel é doce - porque assim nos foi dito.

Devaneios de um domingo chuvoso.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Pablo, qual é a música?


Dos sonhos mais cafonas que tive, há um que a falta de vergonha me deixa compartilhar: tinha um desejo maluco de ir no Qual é a música?

O programa comandado pelo lendário Silvio Santos em seu canal, o SBT, tinha a minha audiência assídua. A competição, que teve origem nos anos 70 e após um intervalo nos anos 90 retornou em 99, recebia 3 artistas do sexo feminino e três do masculino. Entre as provas, os artistas tinham que acertar detalhes sobre a música como trechos da letra, quem cantava e etc. Quando erravam, a chance de corrigí-los ia para a plateia, que, ao acertar, recebia um faz-me-rir do tio Patinhas da TV brasileira.

O meu sonho besta se dava porque eu acompanhava freneticamente as músicas. Na maior parte das vezes acertava, deitada no sofá, as perguntas feitas ao artistas. Lembro que meu pai morria de rir de mim quando eu xingava os participantes de burros ao errarem um pedaço da letra ou o nome do intérprete.

Mas a minha vibração e envolvimento (eu levava a sério aquela competição por se tratar de música) caía por terra com a figura dos dubladores. Embora tenha formado o meu caráter musical eclético (duvidoso para muitos), o "Qual é a música?" inspirava em mim certa crítica e ironia. Explico: figuras toscas como o Pablo, um dos dubladores que ficou conhecido pelo bordão hilário de Silvio Santos "Pablo, qual é a música?" foram os responsáveis por esse misto de sentimentos em relação ao programa. O suejito, que dublava as canções fazendo caras e bocas para ginástica facial nenhuma botar defeito, tinha cara de mulher, usava uma peruca, possuía algo no rosto, que eu até hoje não sei se era uma tatuagem ou uma pintura. Hoje acho o Pablo uma figura artística curiosa. E nunca ouvi falar nada sobre ele além de sua ocupação nos palcos do SBT. Também não sei que fim teve.

No carnaval de 2011 eu tive um "recordar é viver" divertido. Vestida com a minha fantasia de repórter da Rede Globo - aparato que já me rendeu momentos engraçadíssimos desde o carnaval de 2009, quando herdei o microfone com o símbolo da emissora e o fone de ouvidos fabricados por meu irmão, Kleber - dei de cara com um folião fantasiado de Pablo no Cordão do Boitatá, na Praça XV.

Todas essas lembranças vieram à tona quano navegando por esse mar infinito que é a internet, li um texto do Eandro Mesquita em que ele mencionava alguns programas de TV sobre música nos anos 60 e 70. Descobri o Esta Noite se Improvisa e o Fino da Bossa, os quais não assisti na época, mas graças ao youtube estou em tempo de me
colocar a par.

É evidente e indiscutível a diferença de qualidade entre o Qual é a música e os citados por Mesquita. Mas ainda assim é divertido relebrar os meus domingos com Silvio Santos e a bagunça musical que eu me transformei com aquelas referências. Saudade de sacanear o Pablo e de torcer, como que para um time de futebol, para os artistas acertarem as letras da música.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Sobre BBB, Michel Teló, cultura de massa e afins

Há nas redes sociais, sobretudo no facebook, um burburinho que de tempos em tempos vem à tona: gostar ou não gostar de produtos da cultura de massa e se manifestar ou não sobre eles.

Depois de ler diversos tipos de reclamações a respeito do gosto musical e cultural do brasileiro, principalmente após este texto publicado no site da Carta Capital, constatei o seguinte: para variar, as pessoas continuam sendo categorizadas e rotuladas como produtos em seções de supermercado.

De acordo com Matheus Pichonelli, quem não gosta de BBB categoricamente gosta de vestir retrô, vai ao cinema Arteplex e tem vergonha de dizer que gosta de comer no Mc Donald's. Não contente, essa mesma pessoa esfrega os erros gramaticais dos outros
na cara da sociedade em seus posts facebookísticos.

Pois bem. Aí é que está o erro. É como esquerda e direita. O popular e o erudito. Todas as coisas com dois lados, num maniqueísmo novelesco, como vilão e mocinho. Há na cabeça dos escritores uma falta de coabitação entre as coisas, que chega dar dó. E essa criação de discursos antagônicos não produzem nada.

Acontece é que alguém que não gosta de BBB, pode sim ir ao MC Donald's e achar retrô cafona. Ou não. Essa mesma pessoa pode gostar de vestir retrô e, simultaneamente, assistir BBB fervorosamente e ser maníaca por Chedar Mc Melt. Há nas pessoas um
cruzamento de possibilidades, como aqueles das matrizes que estudávamos no colégio.

Mas parece que taxar o clichê anti-BBB ou "batedores de Michel Teló" é mais fácil. Difícil é ouvir porquê não se assiste BBB. O que me indigna de fato não é gostar ou não de BBB, ou curtir ou não Michel Teló. O inconsciente tem espaço para tanta coisa, que é simples gozar e se divertir com qualquer bobagem. Qualquer um é capaz de rir com BBB. Qualquer um que se deixe levar pelos versos de Michel Teló pode encarnar o personagem e fazer aquela dancinha. A questão é optar por isso.

Eu posso sim dançar Michel Teló e não querer assistir BBB por achar que assistir um zoológico humano não é tão divertido. Se eu me sentar em frete a TV por uma semana e acompanhar o programa, é possível que eu queira vê-lo até o fim.

Mas "pera lá", eu não posso ter o direito de querer não ver? Posso ter o direito de querer não ver, de não querer comentar e poder falar mal do programa? Não importa a mim se A ou B assistem e se gostam. Se gostam, bom para eles. O que não existe é querer massificar o pensamento individual e decretar um modelo antagonista ao que vigora.

Pois bem, se a ordem é o BBB, a ideia é o anti-BBB. E abarcado com ele vem uma série de gostos agregados que o transformam num produto antagônico.

A cultura pode ser de massa. Podem existir milhões e milhões de brasileiros acompanhando paredões e afins. O ser humano é que não pode ser massificado. Categorizado. Estereotipado em seres que gostam de coxinha com guaraná e os que gostam de patê de foie gras. Há pessoas que comem coxinha e foie gras tranquilamente. Que andam de ônibus e limousine, num mesmo dia, sem torcer o nariz.

Só que parece mais fácil categorizá-las. É mais simples para decidir quem você ama ou odeia. Quem você fala mal ou aceita. Quem se parece com você ou quem é diferente. O mal do humano é a dificuldade de parar e olhar para o ato isolado. Ele tem sempre que colocar tudo num pacote e reforçar um discurso. Assim ele fica mais forte.