segunda-feira, 30 de julho de 2012

Câncer

Quando li Inveja – Mal Secreto, há alguns anos, aprendi com Zuenir Ventura que a palavra câncer significa aquilo que se esconde. Não me recordo se vem do latim, nem qual é a origem exata da palavra. Na memória ficou apenas a definição e o porquê do nome dado à doença homônima.

Lembrei disto ao ler um texto de Marília Pêra na Revista de O Globo de ontem. A atriz dissertava que, na sua opinião, um artista não pode se esconder do público. Para explicar o que dizia, ela narrou com uma humildade de poucos que naquela semana havia perdido a voz no meio de sua apresentação de Herivelto - Como Conheci, no qual interpreta canções de Herivelto Martins.

Ao expor sua falha, Maríla Pêra utilizou como exemplo os tenistas Roger Federer e Rafael Nadal. Ambos logo após um erro em determinada jogada são obrigados a encarar a posição de “o rei está nu” e deixar de lado qualquer vergonha para em seguida responder ou atacar na próxima jogada.

Em tempos de Facebook em que somos levados a nos expor mais, é necessário pensar na diferença entre o tipo de exposição utilizado na rede e o descrito pela atriz. O Facebook permite um filtro de postagens, deixando que você publique no seu perfil apenas aquela foto com um ângulo que lhe favorece ou restringindo um fulano de ver que você foi marcado em uma publicação, ou até mesmo aprovar ou recusar uma marcação. Até uma etiqueta foi criada para o uso da ferramenta.

Se o bom senso dos usuários da rede social precisa de cartilha, o texto de Marília Pêra vem na contramão da maquiagem e de uma imagem mais apreciável para não causar má impressão na futura empresa que quiser te contratar.

Quando ela fala em não se esconder, ela diz exatamente sobre a falha, sobre o erro – aquilo que nos desagrada e nos torna imperfeitos – que fere a nossa imagem. Justamente quando ela apresentou sua imperfeição, sua falha, sua humanidade à sua plateia, que negou a sua oferta de devolução dos ingressos e pediu que ela declamasse a música que a voz a impedia de cantar – aproximou-se de todos ali. Mostrou que para além de todo o mistério que envolve o artista, de toda a sua técnica e experiência que a tornam referência no que faz, existe ali alguém capaz de perder o agudo no meio do espetáculo.

Eu havia lido certa vez uma entrevista da atriz, a qual me causou antipatia por ela. Mas ao ler o seu texto de domingo, mudei de ideia. É mesmo uma pessoa admirável. Tenho enorme apreço por essas criaturas que não seguem a maré do pedestal. Meu medo é que nós nos tornemos seres plastificados cheios de filtros, tais quais as mulheres bonitas das capas de revistas com suas curvas photoshopadas inexistentes e surreais, que causam nas pessoas ideais de corpo absurdos. Com páginas no Facebook somente de pessoas felizes e perfeitas, que não bebem, não vão a festas, só têm bons sentimentos e desejam apenas coisas boas acho que será bastante lucrativo para as empresas farmacêuticas de antidepressivos.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Pessoa de sorte é aquela...

que no primeiro dia de plantão sozinha acontece uma desgraça.

(re)apaixonar-se

Acredito no fenômeno da re(paixão). Ele funciona mais ou menos assim: você ouve um disco uma vez, se apaixona por ele, ouve, ouve, ouve até furar. Anos depois você o reencontra. E se reapaixona. Pode ser assim com as pessoas. Ou com os livros. Ou até com uma outra faceta do objeto em questão. Há meses andava em minha cabeceira seu Drummond com sua "Poesia Errante". De dias em dias eu abria, lia um de seus poemas e sublinhava algo que me soasse bom naquele momento específico. Embaixo dele estava "Dossiê Drummond", do Geneton Moraes Neto, uma reportagem biográfica. Desde dezembro ele estava ali acumulando poeira, até que resolvi pegar. Eis que ocorreu o fenômeno da (re)paixão.
E cá estou vendo seu Drummond por outro ângulo. O daquele que responde.

Geneton pergunta: Qual é o grande medo de Carlos Drummond de Andrade aos oitenta e cinco anos?

Ele responde: Nenhum. Sinceramente, sou uma pessoa terrivelmente corajosa, porque não espero nada de coisa nenhuma. Não espero decepção nenhuma. O medo que tenho é de levar uma queda, me machucar, quebrar a cabeça, coisas assim, porque, na idade em que estou, a primeira coisa que acontece numa queda é a fratura do fêmur. Isso eu receio.

Geneton coloca no meio da resposta (como faz em quase todas as perguntas) um trecho de Drummond:

(...)
o medo dos grandes sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amareladas e medrosas.
("Congresso internacional do medo" - trecho)

E ele continua:

Mas medo, propriamente, não tenho, porque não tenho religião. Não tenho partido político. Vivo em paz com meu critério moral e minha consciência.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quem dera ser um clips...

Nos momentos de espera eu brincava com aquelas pedras de ímã que abraça uma porção de clips de uma vez só. Eu os retirava da pedra circular num movimento quase repetitivo. Era prazeroso ver como eles eram facilmente atraídos pela força magnética de uma pedra inerte, que não esboçava nenhum esforço para trazê-los pra perto.

Às vezes me incomodava a empáfia daquela pedra. Nesse momento eu rapidamente trazia os clips para mais longe numa de dizer para a pedra, olha você não é tão poderosa assim. Mas logo eu me rendia e os deixava mais próximos dela, até que, amontoados, eles ficavam todos ali grudados sobre a pedra soberana.

Eram nas tardes de julho, como esta. Chuvosa e entediante no meio de um dia de férias escolares em que eu me cansava dos filmes na TV e descia até o escritório de contabilidade do meu pai para ver se via algum acontecimento. Hoje acho graça daqueles dias em que eu brincava com a pedra de ímã; e sobretudo a simbologia que ela traz sobre a atração.

Quando atraídos por algo ou alguém parecemos clips que se amontoam sobre a pedra soberana. Mas, às vezes, não. Será que o clips não tem medo da pedra? Eu perguntei um dia a alguém. Ah, ele não pensa, foi o que me responderam. Mas o medo não é irracional? Tá, pode ser. O medo pode ser emocional, mas o clips também não sente.

Ah, então o problema é esse? Pensarmos e sentirmos? Eu queria ser um clips.

domingo, 15 de julho de 2012

Inconsciente aristocrático

Não sou nem um pouco engajada em luta de classes. Acho isso uma bobagem, na verdade. Mas algo me incomoda profundamente na resistente "aristocracia".

Ora, seria uma ingenuidade da minha parte considerar aristocrata somente aquele que tem uma conta bancária recheada ou um nome de família imponente. Acho até que todos nós nascemos aristocratas, no sentido pejorativo da palavra.

Como? Explico.

Todos nós queremos que nossos desejos sejam atendidos pelo mundo. Caso a vida nos fizesse aristocrata de fato, gostaríamos que nos servissem, porque assim é mais cômodo e pronto.

Isso vem nas pequenas coisas. Vejam bem. Eu enfrentava uma espera longa e arrastada para tirar meu MTb (registro profissional de jornalista) no Ministério do Trabalho.

Ao meu lado, havia um rapaz de meia-idade com seu filho, que deveria ter uns quatro anos. O menino, impaciente com a espera, começou a criar problemas. Lá pelas tantas, inventou que queria sentar no meu lugar. Fosse em outro tempo, eu me levantaria e cederia.

Hoje, com a visão de que o mundo não está aí para atender os desejos de ninguém, fingi que não ouvi a manha dele com o pai.

E isso me remeteu a outra situação. Na época da Rio +20 ouvi a seguinte reclamação de uma pessoa adulta:

"Vou mandar uma nota para o Ancelmo. Acredita que eu entrei no táxi e o motorista me perguntou se eu ia para a Barra. Eu respondi que ia para Copacabana e ele disse que tudo bem. Depois me disse que se eu fosse para Barra ele não me levaria. Não passaria 3 horas em um táxi para ganhar 30 reais. É um absurdo. Os taxistas escolhem para onde vão agora."

Ora, e se fosse você o taxista? Passaria três horas dentro de um carro num trânsito maluco para ganhar 30 reais? Então porque ele tem que passar? Foi o que pensei na hora.

Eu poderia ter cedido o lugar ao rapazinho de quatro anos que fazia manha no Ministério. Mas eu certamente estaria contribuindo para mal educar um futuro adulto que acha que o mundo tem que atender as vontades dele a qualquer hora.

O que fazer quando...

o entrevistado começa a chorar?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Condolências da "presidenta Gilma"

Velórios não costumam ser bons acontecimentos. Dependendo do defunto em questão, pode-se sentir algum tipo (médio ou intenso) de pesar. Quando se está trabalhando, nem sempre.


Tirando a já famosa pomba branca que roubou a cena no velório do cardeal dom Eugênio Sales, hoje, no Rio de Janeiro, algo chamou minha atenção.

A falta de assunto me fez dar um bisu nas coroas. Quis ver quem prestava homenagens ao cardeal. Além do governador do estado, Sérgio Cabral, de José Sarney e do presidente da Unimed Rio, lá estava a singela homenagem da "presidenta Gilma". Assim, com G.

Fofo, né? Certamente esse trabalhador da casa de coroa de flores é, no mínimo, peessedebista.

Ou apenas disléxico. Vai saber? Pena que eu não tinha nenhuma câmera em minha posse para registrar isso.

sábado, 7 de julho de 2012

O dia em que Assis virou heroi tricolor*

Para os tricolores era a chance de vencer pela 25ª vez o Campeonato Carioca, depois de três anos sem ganhar um título. Para os rubro-negros, que eram à época campeões do Rio de Janeiro, aquele era o momento de ganhar o título pela 20º vez. Era uma tarde de domingo de 1983, Maracanã lotado e uma multidão de tricolores apreensivos: o Fluminense tinha que vencer a partida, pois já havia empatado com o Bangu, enquanto o Flamengo ainda enfrentaria o time em seu próximo jogo, no triangular Campeonato Carioca daquele ano.




O Fla x Flu daquele dia se dava, até certo ponto, sem grandes acontecimentos. Um 0x0 seco, que fez com que grande parte da torcida tricolor fosse embora certa de que o time estava eliminado do campeonato. Antonio de Souza Rangel e Eduardo Jardim Rangel, pai e filho, estavam na arquibancada, incrédulos enquanto encaravam o outro lado do Maracanã, preenchido em vermelho e preto por uma torcida ressonante que entoava o famoso "ai, ai, ai, ai, está chegando a hora...".

A confiança rubro-negra foi traída por um vacilo: um jogador do Flamengo fica impedido aos 45 minutos do segundo tempo, ao passo que Duílio, zagueiro tricolor aproveita a oportunidade e toca a bola para Deley. Deley vê Assis numa ótima posição, Assis recebe a bola e lança pra área. A bola passa entre as pernas do goleiro Raul e altera o placar da partida. "Isso foi muito rápido, tão rápido que parecia um sonho. Eu não acreditava, tive que olhar para o placar eletrônico para confirmar se estava valendo, como se fosse um "me belisca aí para eu ver se estou sonhando". Mas, graças a Deus, era verdade... Aquela minoria que acreditou até o fim teve o prazer de curtir aquele momento mágico, alguns até voltaram para as arquibancadas ao ouvir o estrondo da torcida. Muito legal foi ver aquela multidão rubro-negra calada, perplexa, e tendo que nos ouvir "está chegando a hora, o dia já vem raiando meu bem", conta Eduardo"

O 0x0 seco, se tornou um agradável 1x0 para a torcida do Fluminense.

* Em homenagem ao FlaxFlu que acontece hoje no Engenhão para comemorar o centenário do clássico, reproduzo texto que escrevi no ano passado para o blog "FlaxFlu 100 Anos"

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sam$ara - A Rebelião dos Exus


Augusto Carazza trabalhava em uma empresa de comunicação, onde tinha a confiança de seu chefe e um cargo que lhe pagava um bom salário. Neste mesmo lugar, constatou a competição ‘econômica’ sem sentido entre as pessoas (ele estava incluído nesta disputa), a briga entre família (tratava-se de uma empresa familiar) e, como já tinha iniciado seu processo de análise, viu que aquilo tudo não fazia mais sentido em sua vida. As confusões e as “kizombas”, como ele mesmo chama, só serviram para reinventar o seu modo de viver. As camisas e os sapatos sociais deram lugar ao chinelo e ao boné; o ambiente social com muitas pessoas foi abandonado por uma vida em companhia de bons livros. E, assim, pôde transformar o seu tesão pela literatura, naquilo que lhe dava mais prazer: escrever. Não foi uma tarefa fácil: “houve dias que não saía uma página sequer”. Mas a sofisticação do seu prazer resultou em Sam$ara - A Rebelião dos Exus, livro que discute o mundo contemporâneo (questões que têm e não têm relevância neste contexto) e, com uma pegada futurista, aponta para o que teremos no decorrer deste século e no próximo. Com uma narrativa bem-humorada, mesmo abordando a violência de forma explícita, que beira a amoralidade; consegue atrair o leitor e dar o seu recado. Confira a entrevista abaixo:

1) Onde Está o Óleo? - O livro trata, entre diversas questões, sobre o que você chama de "Rebelião dos Exus". Do que se trata essa rebelião e o que propõe quando toca neste assunto?

Augusto Carazza - Há um caminho para se chegar a esta ‘rebelião’ e não é um caminho fácil. Em $am$ara, Akira jogou o filho pela janela, sem demonstrar arrependimento e, ainda disse que foi a criança que desejou a própria morte. A mãe, Samantha, não se importou, a não ser, claro, porque perdeu a pensão alimentícia. Sam tratava o filho como mercadoria e há que se perguntar se todo mundo não faz o mesmo. Afinal, numa empresa você ganha uma série de benefícios e desperta compaixão dos outros; e as camadas populares se reproduzem para ganhar vantagens de governo assistencialista. É a vida como ela é! É bom que se diga que toda análise é financeira. No slogan de Carrossel, Silvio Santos declara: a novela que vai unir a família brasileira. Unida para dar lucro ao patrão SS! Podemos dizer que a família se trata de uma instituição que NUNCA deu certo do ponto de vista da saúde mental, mas, enquanto gerar grana, será mantida: dia das mães, pais, crianças, Natal... Isso movimenta o capital. Sem contar que a maioria das empresas são estruturadas como família – os colegas como irmãos, disputando atenção do chefe/pai. É a mesma ladainha! Um horror! A Rebelião tem a ver com assumir o desejo, a potência criadora e destrutiva do inconsciente. Poderia ser chamada de ‘Rebelião do Inconsciente’, já que tudo vem de lá. É para se assumir o tesão pra valer e, em muitos casos, ele não está de acordo com o ‘programa’ da família, sobretudo o da classe média, a mais neurótica, a que vive de aparências, preocupada com a opinião alheia; competição estúpida!


Tenho um amigo que está chafurdado na cocaína (não é um uso esporádico, é todo dia, a toda hora) porque a mãe o proibiu de ser jogador de futebol, por considerar o esporte coisa para pobre. O rapaz não soube revirar, mandar a mãe à merda e ir atrás do que queria fazer. Como resultado, o ódio está se voltando contra ele, em forma de destruição. Então, nos três primeiros capítulos, eu metralho, na linguagem de MDMagno (psicanalista brasileiro que foi analisando de Jacques Lacan), os Impérios do Pai e Filho, ratificando que a natureza humana é a perversão. Metralho para afirmar que nossa condição é o ‘viver não é preciso, navegar é preciso’, de Pessoa. Não adianta ficar chocado com a retalhadora Matsunaga (caso recente na mídia), pois qualquer um pode fazer o mesmo. Repare que o cara deu a arma de presente pra ela e, com esta arma, recebeu um tiro. Ora, do ponto de vista jurídico, ela é assassina, mas, do ponto de vista psicanalítico, essa tese não se sustenta... É a tese de Akira! A Rebelião não é apenas assumir o desejo no nosso dia a dia, mas, também, saber lidar com o nosso ódio e o do outro.


2. OEOO? - Akira possui um comportamento livre de culpa e a serviço do prazer. O que ele tem de você e que representa sobre os seres humanos? Qual o papel desse personagem na Rebelião dos Exus?

AC - Engraçado, outro dia um amigo me chamou de ‘menino enigmático’, porque ficou sabendo de diferentes personagens que exerço no dia a dia. E olha que não são tantos... Mas como ele está fixado na ética da classe média, na noção de uma única identidade, ficou levemente espantado, disse que desejava me estudar e vai ler Sam$ara para entender minha cabeça. Ele vai se deparar com Akira que procura transar com diferentes programas, sintomas: é das exatas, é das humanas, trepa com homem, mulher, travesti; é cosmopolita, high-tech; mas se enfia no meio da Floresta Amazônica quando bem entende, se bobear pega até o curupira! Agora, Akira está além de mim, está mais adiante, justamente porque não tem culpa (alguma), eu ainda tenho as minhas que preciso dar conta na análise. Então, ele é uma espécie de ideal, mas sem ser opressivo... Akira é um lúcido, um homem do século XXI, vem para reafirmar nossas diversas facetas, somos vários e, claro, capazes de atitudes extremas, à rememoração de nossa violência originária. O universo não chegou aqui sem ela... Veja que a violência de Akira, assumida, sem denegação, deu origem à epidemia (trecho do livro em que os personagens repetem a ação de Akira: jogar o filho para janela).  Mas é bom que se diga que ela só aconteceu, porque encontrou um terreno fértil. Akira não fez nenhum tipo de sugestão, nos moldes dos grandes líderes, para que as pessoas o seguissem. Elas fizeram por livre e espontânea vontade, mas com aparência de orquestração. Olhando de fora até parece um evento coordenado, mas não foi... Este fenômeno é chamado pela animação japonesa ‘Ghost in the Shell’, de stand alone complex, o complexo de ‘estar ou agir sozinho’, mas com aparência de coletividade. É o que a psicanálise chamaria de ‘lucidez’, não à toa a obra fala sobre o ‘advento dos Lúcidos’... Nada de pai, nada de filho...   

3. OEOO? - Você criou personagens que têm uma forte relação com o desejo. Até brinca com a questão de robotizar as funções "que ninguém gosta de fazer" e assim facilita a vida deixando o caminho livre para as funções prazerosas. O que você propõe com isso?

AC - Estas profissões braçais têm prazo de validade e cada um vai ter que se virar para dar conta da pulsão. Outro dia vi, em uma entrevista concedida a Danilo Gentili, Ratinho dizer que nunca trabalhou, porque trabalhar é fazer o que você não gosta. Ele está certo, pois, se procurarmos a etimologia da palavra ‘trabalho’, descobriremos o real significado: instrumento de tortura. Trabalhar é uma tortura e só fazemos porque precisamos de dinheiro, pagar contas. Agora, a mera sobrevivência é muito pouco, se ficarmos só nisso, nos igualamos a uma lacraia ou a qualquer outro animal. O que se vê no dia a dia é que as pessoas, independente de classe social, estão de saco cheio deste sistema. Isso não quer dizer que elas desejam sair do lamaçal, afinal dá trabalho sustentar a ‘rebelião’ a as resistências internas são muitas, as chamadas forças recalcantes.  A única saída possível é o investimento no desejo até porque ele pode gerar dinheiro. Se há uma coisa hierarquicamente superior ao capital, é o tesão! Fazer algo por prazer e não para agradar a família, a cultura, ser apenas uma peça do sistema de produção ocidental... Coisa difícil, porque como somos putas, um punhado de dinheiro nos seduz facilmente e, num piscar de olhos, nos tornamos burocratas, mas ganhando, por exemplo, R$ 40 mil, o que apazigua, de certa forma, o inconsciente. Mas ele logo se rebela e estas pessoas logo se viciam em anti-depressivos e demais drogas. Ou então se matam, como o Sr Matsunaga...

4. OEOO? - As animações japonesas marcam presença no seu texto. O que mais colabora para a construção da sua narrativa? O que você gosta de ler?

AC - A psicanálise, leia-se Freud e MDMagno, me ajuda muito. E escritores que retratam o contemporâneo de forma precisa como Michel Houellebecq, Vila-Matas, Gonçalo Tavares. Eles têm uma escrita objetiva, sem rodeios, vertical... É o que procuro quando escrevo. Nestes dias, estou lendo ‘Solar’, de Ian McEwan, um autor britânico que eu não tinha conhecimento. Foi sugestão de um amigo, li a sinopse e me interessei. Ironiza o discurso do ecologicamente correto e das tais mudanças climáticas, ocasionadas pela ação humana, uma bobagem. O personagem principal, Michael Beard, que está mais indiferente às coisas do mundo, encontra-se atordoado, entre outros motivos, por não entender como sua quinta mulher pode ter um caso com um pedreiro. Trocá-lo por um pedreiro... Nesta hora, todo seu status acadêmico (ele tem um Nobel em Física) vai por água abaixo, não adianta de nada. É a pulsão e suas vicissitudes...

5. OEOO? - As questões do corpo também são colocadas de uma forma diferente pro você. Qual é a proposta?

AC- Na verdade, não é uma proposta, é o que está por vir no XXI e XXII. O corpo biológico, esta carcaça que nos constitui, não tem mais serventia alguma diante das novas tecnologias que estão surgindo. Não faz mais sentido ficar preso num único corpo, extremamente frágil por sinal. Ele não comporta o cérebro que, nele, habita. É um hardware que não suporta o software, daí as inúmeras próteses que não param de emergir. As pessoas no dia a dia demonstram sua insatisfação: trocam boca, nariz, testa, bunda, peito, barriga, panturrilha, cortam o pau, mudam de cor como Michael Jackson... Trepar é uma forma de ser o outro, este passa a ser eu, porque o cérebro humano incorpora tudo que vê pela frente... Toco num assunto, chamado por Ray Kurzweil, de Singularidade, a união do biológico ao mecânico, o trans-humanismo, o fim da Morte como conhecemos... Mas isto não significa Nirvana: resolveu-se o problema da Morte e, beleza, eis a completude! Não é isso... Em $am$ara, chega um momento que Samantha vira pra Mambo Jack e diz: ‘sinto falta de algo, acho que quero me ‘desligar’!’. Vicky Vaporú fica puta com a declaração da amiga, mas Sam revela uma questão importante. O grande problema da espécie (e também solução, já que a impulsiona a criar) é a inexistência de Nirvana, a situação perfeita; neste sentido, o ‘golpe da cobra’ é saber lidar com as assimetrias/ frustrações de Sam$ara, transformá-las em prazer, por que não? Não é uma tarefa fácil.

6. OEOO? - Após narrar uma história com um viés de desejo e, ao mesmo tempo, mostrando que o ser humano é violento, você afirma que o apocalipse fica pra depois. É possível reinventar a vida, o prazer?

AC - Primeiro a gente precisa aceitar que vida é guerra e não há como fugir disso. É uma kizomba! Em Sam$ara isso fica bem explícito: empresas querem destruir os Estados, que desejam diminuir os lucros das máfias e estas querem acabar com todos... Sem parâmetros, como viver em sociedade? Não há verdade alguma, é tudo questão de argumentação. E temos que considerar que é tudo uma coisa só, o monismo da pulsão que quer sua satisfação. O dinheiro é o símbolo material deste movimento... Só há um lado na Vida. As oposições, que pintam por aí, não passam de jogo político, e são momentâneas. Desejo e violência estão interligados, um não vive sem o outro. Precisei aplicar violência para escrever este livro, caso contrário não saía, porque somos vagabundos, nossa tendência é a inércia...  Diante deste cenário, que não é o apocalipse, nada de fim de mundo. É possível tornar a vida mais leve e mais prazerosa. Quando a gente lê um Manoel de Barros, a gente vê que é possível. Cabe a cada um (processo individual) descobrir o modo, ou seja, não há fórmula, nem garantias, e se alguém oferecer esta tal ‘fórmula’, taque esta pessoa pela janela, porque ela está te sacaneando... Saravá!

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Em tempo: o teatro a serviço da demagogia

Ainda sobre o caso Eduardo Paes do post passado: me chamou a atenção a forma como Paes
e sua equipe encontraram para contar a história das imediações do porto. Contrataram o grupo "Fanfarra Carioca", com músicos e atores.

Uns encenaram a chegada da Corte Portuguesa ao Rio e explicaram o porquê da construção Cais do valongo (obra de recuperação feita pelo atual prefeito). Até aí ok para a "fanfarra". Nosso prefeito já foi chamado diversas vezes de fanfarrão mesmo.

A minha surpresa foi quando, ao final da cerimônia, surge um ator vestido de Pereira Passos (prefeito do Rio entre 1902 e 1906, responsável por muitas obras naquela região).

Com um bigodinho característico e uma roupa de época, "Pereira Passos" se dizia honrado com os feitos de Paes e passava ao atual prefeito o seu bastão.

Nunca tinha visto maneira tão criativa de se puxar sardinha em vésperas de eleição. Esse é o teatro a serviço da demagogia.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Da série: cagadas que acontecem na vida

Na minha recém-inaugurada vida de repórter casual de rua dei uma cagada dessas que a gente não sabe de onde vem: cobria para a Folha de S. Paulo neste domingo ensolarado o último fim de semana de inauguração de obras do prefeito Eduardo Paes, antes da oficialização da sua candidatura à reeleição.


Eis que ele solta que gostaria de ser eleito "prefeito vitalício", brincando com o título que a cidade havia acabado de receber, o de Patrimônio Mundial da Humanidade, pela Unesco.

Não sei se os outros coleguinhas não deram atenção à declaração. O fato é que por causa dessas aspas, minha matéria foi parar, além do site da Folha, na home do Uol.

Cagadas que acontecem na vida.