Quando li Inveja – Mal Secreto, há alguns anos, aprendi com Zuenir Ventura que a palavra câncer significa aquilo que se esconde. Não me recordo se vem do latim, nem qual é a origem exata da palavra. Na memória ficou apenas a definição e o porquê do nome dado à doença homônima.
Lembrei disto ao ler um texto de Marília Pêra na Revista de O Globo de ontem. A atriz dissertava que, na sua opinião, um artista não pode se esconder do público. Para explicar o que dizia, ela narrou com uma humildade de poucos que naquela semana havia perdido a voz no meio de sua apresentação de Herivelto - Como Conheci, no qual interpreta canções de Herivelto Martins.
Ao expor sua falha, Maríla Pêra utilizou como exemplo os tenistas Roger Federer e Rafael Nadal. Ambos logo após um erro em determinada jogada são obrigados a encarar a posição de “o rei está nu” e deixar de lado qualquer vergonha para em seguida responder ou atacar na próxima jogada.
Em tempos de Facebook em que somos levados a nos expor mais, é necessário pensar na diferença entre o tipo de exposição utilizado na rede e o descrito pela atriz. O Facebook permite um filtro de postagens, deixando que você publique no seu perfil apenas aquela foto com um ângulo que lhe favorece ou restringindo um fulano de ver que você foi marcado em uma publicação, ou até mesmo aprovar ou recusar uma marcação. Até uma etiqueta foi criada para o uso da ferramenta.
Se o bom senso dos usuários da rede social precisa de cartilha, o texto de Marília Pêra vem na contramão da maquiagem e de uma imagem mais apreciável para não causar má impressão na futura empresa que quiser te contratar.
Quando ela fala em não se esconder, ela diz exatamente sobre a falha, sobre o erro – aquilo que nos desagrada e nos torna imperfeitos – que fere a nossa imagem. Justamente quando ela apresentou sua imperfeição, sua falha, sua humanidade à sua plateia, que negou a sua oferta de devolução dos ingressos e pediu que ela declamasse a música que a voz a impedia de cantar – aproximou-se de todos ali. Mostrou que para além de todo o mistério que envolve o artista, de toda a sua técnica e experiência que a tornam referência no que faz, existe ali alguém capaz de perder o agudo no meio do espetáculo.
Eu havia lido certa vez uma entrevista da atriz, a qual me causou antipatia por ela. Mas ao ler o seu texto de domingo, mudei de ideia. É mesmo uma pessoa admirável. Tenho enorme apreço por essas criaturas que não seguem a maré do pedestal. Meu medo é que nós nos tornemos seres plastificados cheios de filtros, tais quais as mulheres bonitas das capas de revistas com suas curvas photoshopadas inexistentes e surreais, que causam nas pessoas ideais de corpo absurdos. Com páginas no Facebook somente de pessoas felizes e perfeitas, que não bebem, não vão a festas, só têm bons sentimentos e desejam apenas coisas boas acho que será bastante lucrativo para as empresas farmacêuticas de antidepressivos.