quarta-feira, 28 de maio de 2014

Olho Nu ou um tapa na covardia



Ney Matogrosso é uma tapa na covardia, um desafio ao status quo, um frescor no meio de tanta caretice que povoa o mundo. Isso quem acompanha Ney sabe, mas fica mais claro ainda em “Olho Nu”. A transgressão de Ney não tinha esquema, nunca teve, como ele mesmo disse aos 70, depois de ter sonhado com um. Quem não sonha? Um esquema para transgredir, ir além, fugir do trivial, da banalidade e da repetição triste que vivemos todos os dias.
Ney não teve o esquema, mas transgrediu ainda assim. Fez sua música, sua arte, criou personagens, defendeu a sua liberdade – a sexual, a de ser artista e a de cantar o que queria independente se o que cantava ofendia alguém.
Olho Nu não é animal como “Raul – O início, o fim e o meio”.  Não porque a genialidade de Ney seja menor que a de Raul; nem que a intensidade do baiano fosse superior à do sul-mato-grossense. O filme da vida de Raulzito tem mais emoção, talvez porque ele já esteja morto e não pode dar pitaco na película. Ney protagoniza a sua própria biografia. Por isso sua história nos parece mais suave, mais branda, menos rock’n roll que a de Raulzito.
Olhando além das duas narrativas – que são muito distintas – um ponto em comum é a força e a vontade de ir além do que nos é proposto pelo status quo. Há riscos. Sempre há. Raulzito se foi nessa, mas deixou sua obra que ainda é descoberta pelas gerações quase um quarto de século após sua partida. Ney está aí, como ele mesmo disse, escapou da leva de amigos que se foram nos anos 80 com a proliferação do vírus HIV, que ele suspeita ter sido criado pelo sistema como controle social.

Segundo ele, não teve esquema algum. Permanece aí, sendo motivo de inspiração. Organizado dentro do sistema, gravando discos e sendo divulgado, como tem que ser para que o trabalho funcione, mas sem deixar de criticar o que não concorda, gostando a banda (do governo ou quem mais estiver pela frente) ou não. Há poucos como ele. Assistir sua trajetória é um tapa na covardia – nossa e do mundo.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

(Des)esperar



Ela começa assim, lentamente, como um mar num dia calmo. As ondas não estão agitadas, mas estão ali, mostrando que existem. Depois parece que um vendaval – uma rajada de 80km/h –chega e faz o veleiro chacoalhar, de um lado pro outro, assustando o marujo. É assim a minha inquietação, aquela que vem clamando por mudança.
Meu mar é constante e calmo sempre por tempo determinado. Ela andava assim lá por outubro/novembro, eis que as ondas ficaram grandes, depois enormes – como as amadas pelos surfistas – até que se tornaram gigantescas, uma espécie de um tsunami. E é sempre assim, quando cresce essa minha inquietude, ela é capaz de destruir uma cidade inteira. E parece que eu tenho que mudar tudo da noite para o dia, reconfigurar, ter uma novidade grande – que não cabe em raspar a cabeça e pedir demissão e ir embora para outra cidade.
Não é a primeira vez que esse tsunami desagua de mim, que sai desse mar há pouco tranquilo e agora revolto. Talvez a diferença seja a expectativa. Todo aquele idealismo de que a vida vai ser melhor, que a de lá será melhor e que a daqui não presta, tudo isso foi para o ralo.
É importante mudar quando se está infeliz e as insatisfações tomam conta. Melhor ainda é poder mudar quando se está feliz, quando a vida lhe parece boa, mas não está sendo o bastante.  Não há em mim tristeza, nem melancolia – aquela minha velha conhecida que vez em quando bate a porta e é impossível não recebê-la. Há uma sede de novidade, de expandir o olhar, de colonizar outra área, de partir para uma expedição adiante. Mas sem um olhar de que aqui é ruim. Lá terá terráqueos, tais quais os daqui. Lá terá humanos, tais quais os daqui. Lá terá brasileiros, tais quais os daqui. E também gostos e desgostos, como há por aqui. Gente boa e gente mala, idem. Lugares bonitos e outros nem tanto. Mas haverá, sobretudo, uma possibilidade infinita de se ver coisas e pessoas com outros olhos. Uma nova chance, apenas de ver, não de esperar. (Des)esperar para não desesperar.