Você deve ter visto nos jornais ou nas redes sociais que o vice-presidente do Facebook na América Latina foi preso em São Paulo no dia 1º de março de 2016. Diego Jorge Dzodan foi liberado ontem após um habeas corpus. A prisão de Diego foi pedida pela Justiça de Sergipe após a recusa do WhatsApp em liberar à Polícia Federal conversas de supostos traficantes. Você deve se lembrar, o aplicativo de mensagens foi comprado pelo Facebook em 2014.

Uma prisão deste tipo não é novidade. Em 2012, o presidente da Google já havia sido preso por não cumprir uma determinação da Justiça Eleitoral de retirar do Youtube vídeos considerados ofensivos.
Mas o mais importante em jogo nesta prisão é a questão da segurança de dados. Lá em 2014, quando o ex-técnico da CIA Edward Snowden trouxe à tona informações sobre a espionagem do governo americano, todos nós tivemos a certeza absoluta sobre a fragilidade a qual nossos dados estão submetidos.

Se em 2010 o governo dos EUA admitiu ter um programa para espionar as redes sociais, em 2013 ficou claro que nem a presidente Dilma, tampouco a Petrobras ficaram livres da invasão norte-americana de privacidade.

Edward Snowden está perambulando em algum lugar na Rússia amargando o que nós até poderíamos chamar de ato de coragem. Não sei se ele tinha noção do isolamento que sua atitude iria lhe trazer, se agiu por ímpeto ou indignação.

O fato é que o ostracismo de Snowden e a amargura de não poder retornar aos EUA parecem não terem surtido efeito na questão da segurança de dados.

Em fevereiro deste ano, o FBI recorreu à Justiça para que a Apple desse acesso ao iPhone de um atirador que matou 14 pessoas e feriu outras 22 em um tiroteio em San Bernardino, na Califórnia, no ano passado. A decisão foi tomada após a empresa fundada por Steve Jobs se negar a ajudar a Justiça.

Tim Cook, presidente executivo da Apple, disse que irá recorrer do processo e reiterou que "toda essa informação precisa ser protegida de hackers e criminosos que querem acessá-la, roubá-la e usá-la" e que "os clientes esperam que a Apple faça tudo em seu poder para proteger suas informações pessoais".

E o que, a princípio, era a solicitação para acessar dados de apenas um aparelho, se tornou uma exigência para outros 10 iPhones em diferentes estados norte-americanos. Em um dos casos, um juiz de Nova York decidiu no dia 29 de fevereiro que a polícia abusou de suas prerrogativas ao pedir ajuda à Apple para desbloquear o iPhone de um suposto traficante de drogas.

A decisão do dia 29 não envolve a ação dos jihadistas, mas o pedido é idêntico em relação ao acesso a dados codificados em um iPhone. Aqui no Brasil, em dezembro do ano passado, a Justiça determinou a suspensão do WhatsApp por 48h porque o aplicativo não atendeu a uma determinação para acessar informações de um usuário.

O que fica claro diante de todos estes exemplos é que agora a Justiça não é mais capaz de coletar provas sem ter que invadir deliberadamente seus dados. Se você é suspeito de algo, poderá ter a vida vasculhada - não só o sigilo bancário, mas as trocas de mensagens com quem quer que seja.

Com a prerrogativa de que você é suspeito de algo, poderá ter toda a vida exposta por uma ordem judicial. E não só isso! Uma vez que estes dados sejam desbloqueados, hackers e criminosos também podem vir a ter acesso a eles.

Você já parou para pensar o quanto compartilha em seu e-mail e redes sociais? Não apenas confidências - que são um direito seu de resguardar -, como dados pessoais como CPF, RG, documentos, números de cartões de crédito?

Tudo isto pode estar ainda mais vulnerável caso a Apple (e outras gigantes de tecnologia) ceda a esta pressão do governo norte-americano.

A segurança de dados deve ser analisada com mais atenção. Os mal-intencionados estão por toda parte. Para reforçar esta ideia, cito o caso do Snapchat. Um funcionário do setor responsável pela folha de pagamento do aplicativo entregou uma lista de colaboradores da empresa - com informações pessoais dos empregados - a um golpista que enviou um e-mail se passando pelo CEO Evan Spiegel.
Neste caso, foi criado um e-mail falso. Exemplo um tanto quanto ardiloso, mas aconteceu.
Em junho de 2014, entrevistei o jornalista Glenn Greenwald, responsável pela veiculação das informações capturadas por Snowden. Segundo Greenwald, a Agência Nacional de Segurança Americana (NSA) intercepta produtos como roteadores comutadores de rede quando eles estão em trânsito para os consumidores.

A agência abre pacotes, implanta dispositivos de vigilância nos aparelhos, e os devolve lacrados para os usuários sem que eles saibam disso.

"Eles abrem o produto e colocam um programa para todos as informações, todos os dados irem para a NSA, fecham o pacote e mandam para a pessoa que comprou. E esses produtos são usados para dar serviços de internet para muitas pessoas", me disse Greenwald na ocasião.

Ele ressaltou a necessidade de os governos - inclusive o brasileiro - se precaverem em relação à privacidade investindo em tecnologia de criptografia.
Mas vai além disto, todo profissional ou empresa que precise resguardar dados de clientes ou fontes deveria utilizar criptografia. A questão é como transforma-la em algo acessível financeiramente a todos.

No dia 2 de março, foi encerrada a consulta pública lançada pelo Ministério da Justiça sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, o conjunto de regras para usuários e empresas que utilizam a web no Brasil. Foram recebidas quase 1,5 mil contribuições para que o decreto tenha mudanças. Ficou clara a necessidade de mudanças no decreto. No entanto, em uma busca sobre as questões urgentes, é difícil encontrar algo que trate da segurança de dados.

As empresas estão mais interessadas em reclamar do poder da agência reguladora Anatel e discutir a entrega de velocidades distintas aos usuários de acordo com aquilo que eles estiverem acessando na rede.

Entendemos que na nossa sociedade em vigor, as questões econômicas - para a empresa e para o usuário - sejam urgentes. No entanto, não podemos deixar de lado a atenção para os dados. O que está em jogo são as informações do usuário que deveria ter direito à privacidade do conteúdo de seus aparelhos.

Uma vez que o Marco Civil dê à Justiça brasileira o direito de bloquear aplicativos ou prender executivos a fim de obter uma informação, nós usuários estaremos em risco. Parece óbvio que Justiça e a Polícia Federal tenham outros métodos de investigação para obter as informações que necessitam, sem que invadam a privacidade do usuário.