Almoçávamos eu e Paula Bianchi na última semana de férias quando ela me contou de seu projeto: "A vida sexual da mulher hétero solteira no Rio de Janeiro". O adendo do hétero no título fica por minha conta.
Estávamos então relembrando as histórias de Paula - algumas que acompanhei de perto, outras de longe - e dando muitas risadas, quando então fui lembrada por ela do dia em que fui flanelinha de um flerte.
A coisa andava lenta. Paula já tinha ido passar um temporada na Europa e o rapaz - cuja identidade preservarei - também já tinha ido dar uns bordejeis internacionais. Nos desencontros, mensagens trocadas. Convites para chopps futuros e etc.
Era primeiro de janeiro de 2013. Nós tínhamos passado a madrugada do primeiro dia do ano trabalhando, cada uma para um veículo de comunicação. Sóbrias num mar de bêbados em Copacabana. Fim da labuta por volta das 4h. Eu já tinha caminhado aquela princesinha do mar que já não me aguentava. Em meio a busca de personagens, fotos e entrevistas com artistas que animavam a virada do ano e checagem de ocorrências nos bombeiros, eu só queria encontrar os amigos para um brinde posterior, ver o sol nascer no Arpoador e sentir que estava viva, vivinha e depois dormir o sono dos justos.
Assim fizemos. Derrotadas pelo cansaço no Arpoador, jurávamos que veríamos o sol nascer, independentemente da insistência maldita de um vento escroto que teimava em nos expulsar daquela Ipanema. Somos fortes. E lá ficamos até as 6h30. Um sol mixuruca, o vento teimoso e uma água gelada que me desencorajou a mergulhar de manhã - tradição esta que sempre mantive.
Demos de ombros e concordamos que a decisão mais sensata era procurar a padaria mais próxima e irmos dormir bem alimentadas. Eis que entre o mar de garis laranjinhas que limpavam a praia, encontramos o dito cujo. Primeiro dia do ano. Era a desculpa perfeita para o camarada convidar Paula para quitar a pendência do convite para o choppe. Ou que ela o convidasse. Nada feito.
O ano seguiu e o baile também. Praias, histórias, novos casos e no meio deles uma ida à Pedra do Sal. O sujeito aparece lá. Estaciona na nossa roda e de lá não arreda do pé. Arqueio as sobrancelhas com um sorriso de canto e falo entre os dentes para Paula: "é hoje".
Cerveja para lá, samba para cá, fotos de aniversário de Tassia, ou seja, isso já era (pasmem!) setembro!! O rapaz chama a gaúcha para comprar uma cerveja. E eu lá, na maior expectativa, pergunto na volta se finalmente rolou. Nada. A demora do bonde aumentava minha impaciência. Eis que estávamos na seguinte configuração: O menino na frente, Paula atrás e eu de frente para os dois. Decidi então que precisava fazer alguma coisa. Como um flanelinha, comecei a guiar os passos de Paula.
"Põe a mão no ombro dele", disse também entre os dentes enquanto ele prestava atenção na música. Vermelha, a gaúcha obedeceu. "Agora coloca a outra". "Chega mais perto". Bom, parece que depois disso o rapaz não tinha mais o que fazer, a não ser se virar e beija-la.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
Entreouvido no trem
Moça dá play no áudio do whats:
- Po, desculpa mesmo. Não deu para pagar o boleto. A cerveja estava muito barata no Extra. Mas eu vou fazer de tudo para pagar até o Natal, para você não ficar sem este dinheiro. Se a gente não se falar mais, um Feliz Natal aí. Valeu.
~ prioridades ~
- Po, desculpa mesmo. Não deu para pagar o boleto. A cerveja estava muito barata no Extra. Mas eu vou fazer de tudo para pagar até o Natal, para você não ficar sem este dinheiro. Se a gente não se falar mais, um Feliz Natal aí. Valeu.
~ prioridades ~
quarta-feira, 12 de outubro de 2016
from: bela | to: fê
Oi, amiga!
Como está
tudo aí? Você está bem? Está feliz? Teve bolo no seu aniversário? Já faz 5 anos
que a gente não comemora juntas. Desde que você se foi eu fico confusa. Quero
te homenagear no dia 7 de maio porque é quando nós aqui deste plano lembramos
que você se foi. Mas lembro de você com mais alegria no dia 11. Você gostava
dos aniversários, embora sempre ficasse tímida na hora do parabéns.
Nossa,
Fê, desculpa eu ter levado tanto tempo para escrever novamente. Parece que
quanto mais velhos ficamos, maior a autocrítica. Sentimos vergonha de tanta
coisa... Bobagens da vida adulta.
Eu quis
te escrever porque você me visitou no meu sonho. Lembro muito pouco. Passei a
manhã inteira tentando me recordar dos detalhes e com a correria do dia já não me lembro de nada. Mas era um sonho bom, a gente se falava, conseguia se comunicar e
eu fiquei muito feliz.
Logo
depois da sua partida, você vinha me ver nos meus sonhos com freqüência, depois
foi diminuindo... Esqueceu de mim? Ficou chateada com alguma coisa? Com raiva?
Olha, amiga,
me desculpe se não dou toda a atenção do mundo para a sua mãe. Eu demorei um
tempo, eu sei, mas agora a gente se fala no Whatsapp. Me sinto muito impotente
quando me faltam as palavras para ela. Mas ela parece bem, tem uma nova criança
que lhe da muito amor. Não sei quem ele é. Mas estão sempre juntos nas fotos do
Facebook.
Ah, amiga,
não sei se alguém te contou, mas o Dani está conseguindo realizar o sonho dele
de viver de música. Ele participou este ano de um programa de novos talentos na
tevê. Achei que você ficaria feliz em saber, mesmo ele tendo terminado daquele
jeito estranho com você. A banda dele não ganhou o programa, mas eles conseguiram
divulgar o trabalho e estão fazendo shows por aí. Fizeram um em São Pedro no
fim de semana passado. Também vi no Facebook.
É, não to
mais no Rio. Tem dois anos que vim para São Paulo. "Sempre indo para mais
longe de mim", você me disse quando eu falei que quem sabe um dia viria.
No fim das contas, você foi para bem mais longe, né? Nem sei como faço para ir
aí te visitar.
Como são
os aniversários aí? Como é que se comemora? Tem algum ritual? Ou é só mais uma
bobagem da vida terrena?
Tanta
coisa aconteceu por aqui... não sei como é a vida aí, mas você faz muita falta
do lado de cá. O mundo anda tão esquisito e as coisas aqui no Brasil... Me
lembro de quando você estava estagiando no fórum e dizia que queria ser
defensora pública. Acho que precisávamos de alguém como você numa defensoria.
Tanta gente escrota fazendo quem tem menos passar perrengue. O Brasil está uma
tristeza. Temos um presidente agora que tem como lema "retrocesso de 20
anos em 2".
Os
Estados Unidos perigam ter seu pior presidente. Um tal de Donald Trump. Aquele
empresário. Um horror. O Reino Unido votou para deixar a Europa e está criando um
muro para que refugiados não entrem lá. É verdade, esqueci de dizer, a Síria
está em guerra há mais de 5 anos. Mais ou menos o mesmo tempo em que você
partiu. Ta vendo, eu sempre digo, as coisas eram bem melhores quando vc estava
aqui.
A
novidade boa é que agora tenho meu cantinho. Ia ser legal se você pudesse vir
me visitar um dia desses. Namoro uma menina que nasceu um dia antes de você.
Vocês se parecem em algumas coisas. Rs
Queria
passar uma tarde batendo papo com você, rindo e sei lá, tomando uma cerveja,
uma caipirinha, um café. Sinto muita saudade. Espero que a gente possa se ver
em breve.
Um beijo.
terça-feira, 4 de outubro de 2016
Projeto Genoma [parte II]
Respiro fundo com a notícia. Não esperava, mas não me choquei. Não bati a cabeça na parede como reagi quando Fernanda se foi. Também não gritei incrédula e inconformada. Processei a informação e contei para minha namorada, que acordou comigo falando em voz alta. Reportei a ela apenas, como faço no cotidiano do meu ofício. Sem drama, sem desespero. E isso me balançou.
Aline descobriu o câncer aos 20, durante a faculdade. Cursava Arquitetura na UFRJ. E por mais clichê que seja dizer que ela estava no auge da sua juventude, de fato estava. Tinha deixado uma vida inteira em Araruama para ampliar os horizontes no Rio.
Abri o Facebook. Vi lindas homenagens e então chorei. Finalmente. Foi um choro contido, mas o suficiente para eu relaxar e entender que meu quinhão de humanidade ainda me resta. Mesmo que o mundo cão que leio diariamente no meu trabalho me diga que não.
Eu e Aline tínhamos uma diferença de 5 meses de idade. Nunca fomos próximas, nem quando me mudei para a cidade onde ela nasceu e morava. O que tínhamos em comum: a afinidade com Danilo. Afinidades diferentes, obviamente. E talvez essa disputa nos distanciasse mais do aproximasse. No fundo, queríamos afirmar a proximidade com ele. O primo mais velho que sempre causava com a sua excentricidade. O cara que usava saias e pintava as unhas de preto na tradicional família católica araruamense. Eles netos da mesma avó. Um laço forte. E eu que gostava de relacionar a minha excentricidade à dele.
O tratamento do câncer foi sofrido. Sete anos de idas e vindas ao hospital. Uma cirurgia que prometeu uma vida saudável. Retorno à vida cotidiana, faculdade, novo namorado. Câncer volta. Remédios foram ineficazes, descobriu-se. Nova cirurgia, outra promessa. Novo tratamento. Angústia, raiva, fé, desistência, artigos no Google, depoimentos encorajadores, depoimentos frustrantes. Emocional em frangalhos.
Volto para o meu questionamento. Lembro de Diego. Lembro de Rodrigo. Passa uma semana e minha mãe vem me visitar. Rodrigo está mal novamente. Deprimido por ter de usar uma bolsa excretora. Minha mãe narra as novidades sombrias pelas quais ele passará e na minha cabeça azoes azinhos se multiplicam e martelam. Qual é a probabilidade? Somos 6 meninas e um menino. Os netos da vó Esmeralda. Teremos um de nós o quinhão da genética da bisa Edy?
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Projeto Genoma [parte I]
Há coisas que são irreparáveis. Como aquela aquela amizade com uma
rachadura que não volta a ser a mesma. Na mesma toada, a genética.
Os azões azinhos eram interessantes, mas não o suficiente para eu querer
compreendê-los às 7h da manhã daquelas aulas de Biologia do Ensino
Médio. Há certas coisas que negamos porque assim preferimos. Outras
porque somos incapazes de lidar. Talvez eu fosse incapaz de lidar com a
genética naquele tempo. Justamente pela negação.
Esmeralda, minha avó materna, teve 3 irmãs - agora todas mortas - e 4 irmãos; dois deles ainda vivem. Assim simétrico mesmo: (para alegria de virginianos e outros metódicos no geral) 4 mulheres e 4 homens.
Mãe de Esmeralda, a bisa Edy deixou de herança não só o nome para minha mãe, mas uma sentença em forma de genes para 3 bisnetos: um diagnóstico de câncer.
Apita
o celular. 342 mensagens da noite de sexta para sábado. Em grupos do
aplicativo, pessoas falam de trabalho, outras apenas comentam qualquer
bobagem. Tenho muito sono, não leio nada. Bato o olho numa mensagem
solitária da minha mãe: "perdemos nossa Aline (acompanhado de um emoji)".
Aline, Rodrigo e Diego.
Todos netos de filhas mulheres da bisa Edy. Antes de soltar um "que
gene machista", lembro vagamente das influências dos cromossomos X e Y das aulas de Marco. Nunca fui aplicada em ciências biológicas, mas vá, memória ainda tenho, pensei. E
o Temer ainda quer cortar disciplinas, resmunguei antes de apurar.
Sim, bisa Edy também teve câncer, segundo dados revelados pela minha mãe mesmo.
Custo a acreditar. Não via Aline fazia tempo. Tinha notícias através da minha mãe, andava e
virava ela estava às turras com a quimioterapia, mas tudo parecia
controlado. Há 7 anos convivíamos com o câncer dela, não
parecia que ela iria assim.
Mas pera lá, que merda é
essa? Começo a perceber a conexão. Três primos, da mesma geração, netos
de 3 irmãs. Minha boca ficou seca. Compreendi genética em 3 segundos. E
danei a tentar me lembrar daqueles cálculos de probabilidade. Azão azão
vezes azinho azinho. Ou seria azinho azão vezes azão azinho. Puta
merda, não me lembro. Qual seria a probabilidade de um neto da minha avó reproduzir o gene? 75%? 100%?
sexta-feira, 29 de julho de 2016
Caretas de Paris, New York, sem mágoas estamos aí
Faz duas semanas. Uma eternidade para esses tempos efêmeros
cujos segundos transformam a paz numa tormenta (notícias, atentados, e tome
novidades que não damos conta). Mas vi Freehelds,
ou o Amor por direito em português.
Julianne Moore e Ellen Page encenando uma história real e trazendo à tona a briga por um direito simples: o reconhecimento da união entre duas pessoas do mesmo sexo.
A atriz de "As Horas" agora é Laurel Hester, uma policial dedicada, responsável pela investigação de casos importantes - como o de tráfico de drogas - em sua cidade, nos Estados Unidos. É respeitada pelos colegas e tem um parceiro de atuação na polícia que ~ no papel de galã ~ claramente espera por uma brecha para tentar algo com ela. Um dia, numa dessas missões de trabalho Laurel conhece Stacie Andree .
Como na vida real, a dificuldade de reconhecimento e espaço na sociedade acontece o tempo todo. Laurel Hester não sai do armário no trabalho para não perder o respeito dos colegas, também não tem contato com familiares. Stacie por sua vez tem o apoio da mãe. Ficam juntas e compram uma casa, mas permanecem se apresentando como "roommates".
Mas na vida como ela é não adianta fazer planos para viver para sempre à sombra. Ela vai fundo e incomoda quem não quer ser incomodado e tira quem não quer incomodar do que eu chamaria de zona de conforto. E foi o que aconteceu.
Laurel descobre um câncer. No início dos anos 2000, quando os tratamentos ainda eram mais precários que agora. Sabe que seu tempo na Terra é curto e quer deixar sua casa para sua mulher. Mas a polícia não permite, vai contra as regras.
É quando um representante da causa gay resolve fazer barulho. Arruma um monte de gente para ir até o tribunal especial da polícia e incomodar. Dizer 'ei, estamos aqui e não vamos dar sossego enquanto não nos enxergarem e derem a Laurel o mínimo'.
Um parágrafo importante:
Laurel não queria gravar vídeo, nem participar de nada porque não queria ser parte de uma "bandeira". Apenas queria seu direito de igualdade. Algo que acontece muito neste universo e em muitos outros. Quem queria ser considerada feminista há dois anos? Mulheres esclarecidas e até algumas de esquerda preferiam não se comprometer com o termo porque as "feministas eram radicais".
Julianne Moore e Ellen Page encenando uma história real e trazendo à tona a briga por um direito simples: o reconhecimento da união entre duas pessoas do mesmo sexo.
A atriz de "As Horas" agora é Laurel Hester, uma policial dedicada, responsável pela investigação de casos importantes - como o de tráfico de drogas - em sua cidade, nos Estados Unidos. É respeitada pelos colegas e tem um parceiro de atuação na polícia que ~ no papel de galã ~ claramente espera por uma brecha para tentar algo com ela. Um dia, numa dessas missões de trabalho Laurel conhece Stacie Andree .
Como na vida real, a dificuldade de reconhecimento e espaço na sociedade acontece o tempo todo. Laurel Hester não sai do armário no trabalho para não perder o respeito dos colegas, também não tem contato com familiares. Stacie por sua vez tem o apoio da mãe. Ficam juntas e compram uma casa, mas permanecem se apresentando como "roommates".
Mas na vida como ela é não adianta fazer planos para viver para sempre à sombra. Ela vai fundo e incomoda quem não quer ser incomodado e tira quem não quer incomodar do que eu chamaria de zona de conforto. E foi o que aconteceu.
Laurel descobre um câncer. No início dos anos 2000, quando os tratamentos ainda eram mais precários que agora. Sabe que seu tempo na Terra é curto e quer deixar sua casa para sua mulher. Mas a polícia não permite, vai contra as regras.
É quando um representante da causa gay resolve fazer barulho. Arruma um monte de gente para ir até o tribunal especial da polícia e incomodar. Dizer 'ei, estamos aqui e não vamos dar sossego enquanto não nos enxergarem e derem a Laurel o mínimo'.
Um parágrafo importante:
Laurel não queria gravar vídeo, nem participar de nada porque não queria ser parte de uma "bandeira". Apenas queria seu direito de igualdade. Algo que acontece muito neste universo e em muitos outros. Quem queria ser considerada feminista há dois anos? Mulheres esclarecidas e até algumas de esquerda preferiam não se comprometer com o termo porque as "feministas eram radicais".
Hoje muitas destas mulheres mudaram de ideia e se posicionam
como tal. Uma onda muito forte trouxe para o Ocidente o poder da mulher à tona.
Elas ocuparam a presidência de países, ganharam maior representatividade na
sociedade e a oportunidade de se expressar que antes era brecada.
E quem ficou no seu sofá que me desculpe, mas isso foi
graças àquelas que eram chamadas de radicais. Então não existe isso de radical.
O que existe é gente covarde e gente corajosa. Ponto.
E no filme, Laurel estava ocupando esse lugar. "A saída é individual", muitos também dizem isso. Ela não queria se posicionar a favor dos direitos dos gays, como casamento, adoção e etc. Queria igualdade de direitos e que pudesse deixar a casa para sua mulher. Ignorando tudo o que já havia sido lutado por outras pessoas a respeito disso.
Mas foi graças a uma bicha ativista maravilhosa que o caso ganhou força, o tribunal ficou cheio de gente e repercutiu nos jornais. E assim ela conseguiu o direito de deixar a casa como herança.
Isso me lembra uma história. Aos 20, eu dizia categoricamente: "meus pais não precisam viver isso, minha família não precisa conviver, vivo bem sozinha e longe". Dividia isso com uma amiga 10 anos mais velha que já tinha passado pelo mesmo e ela rebatia: "e se a outra pessoa fizer questão?".
E no filme, Laurel estava ocupando esse lugar. "A saída é individual", muitos também dizem isso. Ela não queria se posicionar a favor dos direitos dos gays, como casamento, adoção e etc. Queria igualdade de direitos e que pudesse deixar a casa para sua mulher. Ignorando tudo o que já havia sido lutado por outras pessoas a respeito disso.
Mas foi graças a uma bicha ativista maravilhosa que o caso ganhou força, o tribunal ficou cheio de gente e repercutiu nos jornais. E assim ela conseguiu o direito de deixar a casa como herança.
Isso me lembra uma história. Aos 20, eu dizia categoricamente: "meus pais não precisam viver isso, minha família não precisa conviver, vivo bem sozinha e longe". Dividia isso com uma amiga 10 anos mais velha que já tinha passado pelo mesmo e ela rebatia: "e se a outra pessoa fizer questão?".
É isso. Vivemos em sociedade. A saída para uns pode até ser
individual. Mas eu não quero ser um indivíduo que fica dentro de casa quietinho
para não incomodar.
Então é necessário reconhecer o que já foi feito até aqui. Pelos ativistas gays. Pelas ativistas feministas. Porque parece muito cômodo apenas aceitar de bom grado não termos mais que pedir licença para existir. Temos que avançar de onde pararam. Mas sem deixar de reconhecê-los.
Então é necessário reconhecer o que já foi feito até aqui. Pelos ativistas gays. Pelas ativistas feministas. Porque parece muito cômodo apenas aceitar de bom grado não termos mais que pedir licença para existir. Temos que avançar de onde pararam. Mas sem deixar de reconhecê-los.
sábado, 16 de julho de 2016
Mitou
Audição obrigatória:
Li na fan page do blog de um cronista
uma matéria baseada no que disse um comentarista
de programa da tv a cabo
que pesquisou nas ruas sobre o episódio
e ouviu de um espectador,
que ouviu de um locutor de rádio
que o cenário já foi todo explicado
numa sessão da câmara dos deputados
interrompida por um político exacerbado
sobre o caso que já foi engavetado
mais de 5 vezes
segundo o artigo de uma revista isenta americana
que um artista fotografou e postou
indignado
sendo compartilhado por 1 milhão e meio
de indivíduos
semi-alfabetizados
número este comprovado pelo IBGE segundo dados estatísticos,
que depois viraram
memes infantilizados
que não podem ser contestados,
afinal
todo mundo concordou lá no trabalho
que a foto com a frase do lado
mitou!
Li na fan page do blog de um cronista
uma matéria baseada no que disse um comentarista
de programa da tv a cabo
que pesquisou nas ruas sobre o episódio
e ouviu de um espectador,
que ouviu de um locutor de rádio
que o cenário já foi todo explicado
numa sessão da câmara dos deputados
interrompida por um político exacerbado
sobre o caso que já foi engavetado
mais de 5 vezes
segundo o artigo de uma revista isenta americana
que um artista fotografou e postou
indignado
sendo compartilhado por 1 milhão e meio
de indivíduos
semi-alfabetizados
número este comprovado pelo IBGE segundo dados estatísticos,
que depois viraram
memes infantilizados
que não podem ser contestados,
afinal
todo mundo concordou lá no trabalho
que a foto com a frase do lado
mitou!
quarta-feira, 16 de março de 2016
Sem textão
não precisa sentar, não
que o papo é reto, e não textão
moro pegou treis oitão
e deu tiro na própria mão.
de ligação em ligação
se achou o rei da nação
para fazer interceptação
que o papo é reto, e não textão
moro pegou treis oitão
e deu tiro na própria mão.
de ligação em ligação
se achou o rei da nação
para fazer interceptação
quarta-feira, 9 de março de 2016
Porque precisamos de profissionais para planejar conteúdo e gerenciar crises?
Você já deve ter reparado que algumas marcas optam por fazer sua
divulgação e sua interação com seu público de forma caseira. A
lanchonete nova que abriu e divulga seus produtos, a academia do bairro e
por aí vai. Muitos alegam a grana curta para não contratarem um
profissional de comunicação. Mas o barato pode sair caro. Quando a
intenção do pequeno empresário ultrapassa ter um canal para que o
cliente possa encontrá-lo e passa a querer fazer ele próprio a
estratégia e a inserção de conteúdo, ele pode vir a ter problemas.
No início de 2015 me matriculei num box de CrossFit em São Paulo, por lá fiquei durante um ano. Encontrei pessoas muito dedicadas à modalidade, profissionais sérios e preocupados com a execução técnica dos exercícios e com responsabilidade com as cargas dos alunos. O ambiente, embora muito mais cordial e menos narcisista do que qualquer academia de musculação, é impregnado de machismo. Tentava ignorar isto, afinal eu estava ali para praticar exercícios e finalmente tinha achado um que me motivava. Encontrei uma boa professora e me aliei a ela para diminuir a irritação com comentários do tipo "dê danoninho sem colher para o seu filho desde cedo porque ele vai saber direitinho como fazer sexo oral".
Depois de um tempo, entrei no grupo do WhatsApp do tal box para receber informações sobre osteopatas, promoções de pasta de amendoim e outras particularidades de quem pratica este esporte. Na sexta-feira, a clássica guerra dos sexos. Homens mandam fotos de mulheres bundudas e peitudas, mulheres mandam um musculoso com barriga de tanquinho. Até aí, sobrevivi.
A rede de boxes mantém no Facebook páginas com informações em cada uma de suas unidades. Em um infeliz post sobre o Dias Internacional das Mulheres, comemorado no dia 8 de março, o grupo fez uma homenagem às frequentadoras dos boxes. Em uma ideia de mau gosto de usar duplo sentido ou - quem sabe e como se defendem os sócios da rede - por uma infeliz coincidência, planejaram o treino apenas com Snatchs e disseram que o treino tinha sido desenhado especialmente para as mulheres. Snatch, dentro do CrossFit, quer dizer arranco. Na gíria popular americana, significa o órgão genital da mulher.
Pois bem, após uma mensagem de Feliz Dias das Mulheres no tal grupo do WhatsApp, uma frequentadora de uma das unidades reclamou e pontuou o machismo - proposital ou inconsciente - inserido naquele post na página do Facebook. Contestou e criticou a necessidade de nós mulheres nos posicionarmos e também de quem fez o post refletir sobre isso. Ela sinalizou que o ambiente por si já é machista e reproduz o que a sociedade faz lá fora do box. Algo que deveria ser minimamente ouvido.
Quem fez o anúncio foi um dos sócios da rede, que tem alguma outra profissão além de ser sócio e praticante do esporte. Ele pode entender muito de negócios e também de CrossFit, mas pareceu não entender nada de planejamento e de gerenciamento de crise.
No mesmo grupo do WhatsApp ele deu a entender que não tinha feito piada machista e que Snatch deveria ser lido como arranco. E que se a sociedade é machista e se eles reproduzem isso ou não, ele não se importa, nem vai opinar. Se eximiu da responsabilidade de assumir o erro e ainda jogou a bola para a aluna - que antes de mais nada é uma mulher, o público a quem a sua mensagem se destinava e cliente dele - dizendo que devemos levar o mundo menos a sério.
Ora, além de cometer o erro, diz que o público/cliente é que está errada em se sentir ofendida. Não bastasse isso, um outro sócio veio defender o amigo - no mesmo grupo de WhatsApp - com a justificativa de que "o mundo é da forma que queremos ver". Além disso, ele disse que o sócio responsável pelo post fica horas discutindo com a mulher sobre o que fazer com os posts. E para colocar a cereja no bolo, insinuou que a aluna deveria pedir desculpas ao autor do erro.
Ouvimos diariamente dos professores desta rede de boxes o quanto é importante ter certificação para dar aulas de CrossFit. O que é, no mínimo, responsável. Ouvimos lá dentro críticas a blogueiras e instagrammers que, sem certificação adequada, dão aulas e passam exercícios em suas redes sociais. Obviamente, algo leviano e irresponsável.
Mas não seriam eles levianos e irresponsáveis quando tratam com descaso o que é hoje a sua maior ferramenta de comunicação com os alunos/clientes de suas unidades? Ora, se aquele é o canal para chegar até o aluno e por isso deseja-se agradá-lo, homenageá-lo, mantê-lo próximo, nada melhor do que contratar um profissional gabaritado para tomar conta disto.
Se isto tivesse acontecido, provavelmente um profissional de comunicação teria barrado a ideia do duplo sentido. Ou, uma vez que a homenagem torta tenha sido "sem querer" ou inconsciente, mas apontada pelo público, deveria haver uma retratação por parte da marca. E não uma insinuação de que a aluna deveria se desculpar por ter se sentido ofendida por uma ideia de girico.
O caso Quitandinha aconteceu faz pouquíssimo tempo e outras pessoas já escreveram brilhantemente sobre ele. Mas parece que ninguém aprendeu absolutamente nada.
No início de 2015 me matriculei num box de CrossFit em São Paulo, por lá fiquei durante um ano. Encontrei pessoas muito dedicadas à modalidade, profissionais sérios e preocupados com a execução técnica dos exercícios e com responsabilidade com as cargas dos alunos. O ambiente, embora muito mais cordial e menos narcisista do que qualquer academia de musculação, é impregnado de machismo. Tentava ignorar isto, afinal eu estava ali para praticar exercícios e finalmente tinha achado um que me motivava. Encontrei uma boa professora e me aliei a ela para diminuir a irritação com comentários do tipo "dê danoninho sem colher para o seu filho desde cedo porque ele vai saber direitinho como fazer sexo oral".
Depois de um tempo, entrei no grupo do WhatsApp do tal box para receber informações sobre osteopatas, promoções de pasta de amendoim e outras particularidades de quem pratica este esporte. Na sexta-feira, a clássica guerra dos sexos. Homens mandam fotos de mulheres bundudas e peitudas, mulheres mandam um musculoso com barriga de tanquinho. Até aí, sobrevivi.
A rede de boxes mantém no Facebook páginas com informações em cada uma de suas unidades. Em um infeliz post sobre o Dias Internacional das Mulheres, comemorado no dia 8 de março, o grupo fez uma homenagem às frequentadoras dos boxes. Em uma ideia de mau gosto de usar duplo sentido ou - quem sabe e como se defendem os sócios da rede - por uma infeliz coincidência, planejaram o treino apenas com Snatchs e disseram que o treino tinha sido desenhado especialmente para as mulheres. Snatch, dentro do CrossFit, quer dizer arranco. Na gíria popular americana, significa o órgão genital da mulher.
Pois bem, após uma mensagem de Feliz Dias das Mulheres no tal grupo do WhatsApp, uma frequentadora de uma das unidades reclamou e pontuou o machismo - proposital ou inconsciente - inserido naquele post na página do Facebook. Contestou e criticou a necessidade de nós mulheres nos posicionarmos e também de quem fez o post refletir sobre isso. Ela sinalizou que o ambiente por si já é machista e reproduz o que a sociedade faz lá fora do box. Algo que deveria ser minimamente ouvido.
Quem fez o anúncio foi um dos sócios da rede, que tem alguma outra profissão além de ser sócio e praticante do esporte. Ele pode entender muito de negócios e também de CrossFit, mas pareceu não entender nada de planejamento e de gerenciamento de crise.
No mesmo grupo do WhatsApp ele deu a entender que não tinha feito piada machista e que Snatch deveria ser lido como arranco. E que se a sociedade é machista e se eles reproduzem isso ou não, ele não se importa, nem vai opinar. Se eximiu da responsabilidade de assumir o erro e ainda jogou a bola para a aluna - que antes de mais nada é uma mulher, o público a quem a sua mensagem se destinava e cliente dele - dizendo que devemos levar o mundo menos a sério.
Ora, além de cometer o erro, diz que o público/cliente é que está errada em se sentir ofendida. Não bastasse isso, um outro sócio veio defender o amigo - no mesmo grupo de WhatsApp - com a justificativa de que "o mundo é da forma que queremos ver". Além disso, ele disse que o sócio responsável pelo post fica horas discutindo com a mulher sobre o que fazer com os posts. E para colocar a cereja no bolo, insinuou que a aluna deveria pedir desculpas ao autor do erro.
Ouvimos diariamente dos professores desta rede de boxes o quanto é importante ter certificação para dar aulas de CrossFit. O que é, no mínimo, responsável. Ouvimos lá dentro críticas a blogueiras e instagrammers que, sem certificação adequada, dão aulas e passam exercícios em suas redes sociais. Obviamente, algo leviano e irresponsável.
Mas não seriam eles levianos e irresponsáveis quando tratam com descaso o que é hoje a sua maior ferramenta de comunicação com os alunos/clientes de suas unidades? Ora, se aquele é o canal para chegar até o aluno e por isso deseja-se agradá-lo, homenageá-lo, mantê-lo próximo, nada melhor do que contratar um profissional gabaritado para tomar conta disto.
Se isto tivesse acontecido, provavelmente um profissional de comunicação teria barrado a ideia do duplo sentido. Ou, uma vez que a homenagem torta tenha sido "sem querer" ou inconsciente, mas apontada pelo público, deveria haver uma retratação por parte da marca. E não uma insinuação de que a aluna deveria se desculpar por ter se sentido ofendida por uma ideia de girico.
O caso Quitandinha aconteceu faz pouquíssimo tempo e outras pessoas já escreveram brilhantemente sobre ele. Mas parece que ninguém aprendeu absolutamente nada.
A prisão do vice-presidente do Facebook e a segurança dos dados
Você deve ter visto nos jornais ou nas redes sociais que o vice-presidente do Facebook na
América Latina foi preso em São Paulo no dia 1º de março de 2016. Diego
Jorge Dzodan foi liberado ontem após um habeas corpus. A prisão de
Diego foi pedida pela Justiça de Sergipe após a recusa do WhatsApp em
liberar à Polícia Federal conversas de supostos traficantes. Você deve
se lembrar, o aplicativo de mensagens foi comprado pelo Facebook em
2014.
Uma prisão deste tipo não é novidade. Em 2012, o presidente da Google já havia sido preso por não cumprir uma determinação da Justiça Eleitoral de retirar do Youtube vídeos considerados ofensivos.
Mas o mais importante em jogo nesta prisão é a questão da segurança de dados. Lá em 2014, quando o ex-técnico da CIA Edward Snowden trouxe à tona informações sobre a espionagem do governo americano, todos nós tivemos a certeza absoluta sobre a fragilidade a qual nossos dados estão submetidos.
Se em 2010 o governo dos EUA admitiu ter um programa para espionar as redes sociais, em 2013 ficou claro que nem a presidente Dilma, tampouco a Petrobras ficaram livres da invasão norte-americana de privacidade.
Edward Snowden está perambulando em algum lugar na Rússia amargando o que nós até poderíamos chamar de ato de coragem. Não sei se ele tinha noção do isolamento que sua atitude iria lhe trazer, se agiu por ímpeto ou indignação.
O fato é que o ostracismo de Snowden e a amargura de não poder retornar aos EUA parecem não terem surtido efeito na questão da segurança de dados.
Em fevereiro deste ano, o FBI recorreu à Justiça para que a Apple desse acesso ao iPhone de um atirador que matou 14 pessoas e feriu outras 22 em um tiroteio em San Bernardino, na Califórnia, no ano passado. A decisão foi tomada após a empresa fundada por Steve Jobs se negar a ajudar a Justiça.
Tim Cook, presidente executivo da Apple, disse que irá recorrer do processo e reiterou que "toda essa informação precisa ser protegida de hackers e criminosos que querem acessá-la, roubá-la e usá-la" e que "os clientes esperam que a Apple faça tudo em seu poder para proteger suas informações pessoais".
E o que, a princípio, era a solicitação para acessar dados de apenas um aparelho, se tornou uma exigência para outros 10 iPhones em diferentes estados norte-americanos. Em um dos casos, um juiz de Nova York decidiu no dia 29 de fevereiro que a polícia abusou de suas prerrogativas ao pedir ajuda à Apple para desbloquear o iPhone de um suposto traficante de drogas.
A decisão do dia 29 não envolve a ação dos jihadistas, mas o pedido é idêntico em relação ao acesso a dados codificados em um iPhone. Aqui no Brasil, em dezembro do ano passado, a Justiça determinou a suspensão do WhatsApp por 48h porque o aplicativo não atendeu a uma determinação para acessar informações de um usuário.
O que fica claro diante de todos estes exemplos é que agora a Justiça não é mais capaz de coletar provas sem ter que invadir deliberadamente seus dados. Se você é suspeito de algo, poderá ter a vida vasculhada - não só o sigilo bancário, mas as trocas de mensagens com quem quer que seja.
Com a prerrogativa de que você é suspeito de algo, poderá ter toda a vida exposta por uma ordem judicial. E não só isso! Uma vez que estes dados sejam desbloqueados, hackers e criminosos também podem vir a ter acesso a eles.
Você já parou para pensar o quanto compartilha em seu e-mail e redes sociais? Não apenas confidências - que são um direito seu de resguardar -, como dados pessoais como CPF, RG, documentos, números de cartões de crédito?
Tudo isto pode estar ainda mais vulnerável caso a Apple (e outras gigantes de tecnologia) ceda a esta pressão do governo norte-americano.
A segurança de dados deve ser analisada com mais atenção. Os mal-intencionados estão por toda parte. Para reforçar esta ideia, cito o caso do Snapchat. Um funcionário do setor responsável pela folha de pagamento do aplicativo entregou uma lista de colaboradores da empresa - com informações pessoais dos empregados - a um golpista que enviou um e-mail se passando pelo CEO Evan Spiegel.
Neste caso, foi criado um e-mail falso. Exemplo um tanto quanto ardiloso, mas aconteceu.
No dia 2 de março, foi encerrada a consulta pública lançada pelo Ministério da Justiça sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, o conjunto de regras para usuários e empresas que utilizam a web no Brasil. Foram recebidas quase 1,5 mil contribuições para que o decreto tenha mudanças. Ficou clara a necessidade de mudanças no decreto. No entanto, em uma busca sobre as questões urgentes, é difícil encontrar algo que trate da segurança de dados.
As empresas estão mais interessadas em reclamar do poder da agência reguladora Anatel e discutir a entrega de velocidades distintas aos usuários de acordo com aquilo que eles estiverem acessando na rede.
Entendemos que na nossa sociedade em vigor, as questões econômicas - para a empresa e para o usuário - sejam urgentes. No entanto, não podemos deixar de lado a atenção para os dados. O que está em jogo são as informações do usuário que deveria ter direito à privacidade do conteúdo de seus aparelhos.
Uma vez que o Marco Civil dê à Justiça brasileira o direito de bloquear aplicativos ou prender executivos a fim de obter uma informação, nós usuários estaremos em risco. Parece óbvio que Justiça e a Polícia Federal tenham outros métodos de investigação para obter as informações que necessitam, sem que invadam a privacidade do usuário.
Uma prisão deste tipo não é novidade. Em 2012, o presidente da Google já havia sido preso por não cumprir uma determinação da Justiça Eleitoral de retirar do Youtube vídeos considerados ofensivos.
Mas o mais importante em jogo nesta prisão é a questão da segurança de dados. Lá em 2014, quando o ex-técnico da CIA Edward Snowden trouxe à tona informações sobre a espionagem do governo americano, todos nós tivemos a certeza absoluta sobre a fragilidade a qual nossos dados estão submetidos.
Se em 2010 o governo dos EUA admitiu ter um programa para espionar as redes sociais, em 2013 ficou claro que nem a presidente Dilma, tampouco a Petrobras ficaram livres da invasão norte-americana de privacidade.
Edward Snowden está perambulando em algum lugar na Rússia amargando o que nós até poderíamos chamar de ato de coragem. Não sei se ele tinha noção do isolamento que sua atitude iria lhe trazer, se agiu por ímpeto ou indignação.
O fato é que o ostracismo de Snowden e a amargura de não poder retornar aos EUA parecem não terem surtido efeito na questão da segurança de dados.
Em fevereiro deste ano, o FBI recorreu à Justiça para que a Apple desse acesso ao iPhone de um atirador que matou 14 pessoas e feriu outras 22 em um tiroteio em San Bernardino, na Califórnia, no ano passado. A decisão foi tomada após a empresa fundada por Steve Jobs se negar a ajudar a Justiça.
Tim Cook, presidente executivo da Apple, disse que irá recorrer do processo e reiterou que "toda essa informação precisa ser protegida de hackers e criminosos que querem acessá-la, roubá-la e usá-la" e que "os clientes esperam que a Apple faça tudo em seu poder para proteger suas informações pessoais".
E o que, a princípio, era a solicitação para acessar dados de apenas um aparelho, se tornou uma exigência para outros 10 iPhones em diferentes estados norte-americanos. Em um dos casos, um juiz de Nova York decidiu no dia 29 de fevereiro que a polícia abusou de suas prerrogativas ao pedir ajuda à Apple para desbloquear o iPhone de um suposto traficante de drogas.
A decisão do dia 29 não envolve a ação dos jihadistas, mas o pedido é idêntico em relação ao acesso a dados codificados em um iPhone. Aqui no Brasil, em dezembro do ano passado, a Justiça determinou a suspensão do WhatsApp por 48h porque o aplicativo não atendeu a uma determinação para acessar informações de um usuário.
O que fica claro diante de todos estes exemplos é que agora a Justiça não é mais capaz de coletar provas sem ter que invadir deliberadamente seus dados. Se você é suspeito de algo, poderá ter a vida vasculhada - não só o sigilo bancário, mas as trocas de mensagens com quem quer que seja.
Com a prerrogativa de que você é suspeito de algo, poderá ter toda a vida exposta por uma ordem judicial. E não só isso! Uma vez que estes dados sejam desbloqueados, hackers e criminosos também podem vir a ter acesso a eles.
Você já parou para pensar o quanto compartilha em seu e-mail e redes sociais? Não apenas confidências - que são um direito seu de resguardar -, como dados pessoais como CPF, RG, documentos, números de cartões de crédito?
Tudo isto pode estar ainda mais vulnerável caso a Apple (e outras gigantes de tecnologia) ceda a esta pressão do governo norte-americano.
A segurança de dados deve ser analisada com mais atenção. Os mal-intencionados estão por toda parte. Para reforçar esta ideia, cito o caso do Snapchat. Um funcionário do setor responsável pela folha de pagamento do aplicativo entregou uma lista de colaboradores da empresa - com informações pessoais dos empregados - a um golpista que enviou um e-mail se passando pelo CEO Evan Spiegel.
Neste caso, foi criado um e-mail falso. Exemplo um tanto quanto ardiloso, mas aconteceu.
Em junho de 2014, entrevistei o jornalista Glenn Greenwald, responsável pela veiculação das informações capturadas por Snowden. Segundo Greenwald, a Agência Nacional de Segurança Americana (NSA) intercepta produtos como roteadores comutadores de rede quando eles estão em trânsito para os consumidores.Mas vai além disto, todo profissional ou empresa que precise resguardar dados de clientes ou fontes deveria utilizar criptografia. A questão é como transforma-la em algo acessível financeiramente a todos.
A agência abre pacotes, implanta dispositivos de vigilância nos aparelhos, e os devolve lacrados para os usuários sem que eles saibam disso.
"Eles abrem o produto e colocam um programa para todos as informações, todos os dados irem para a NSA, fecham o pacote e mandam para a pessoa que comprou. E esses produtos são usados para dar serviços de internet para muitas pessoas", me disse Greenwald na ocasião.
Ele ressaltou a necessidade de os governos - inclusive o brasileiro - se precaverem em relação à privacidade investindo em tecnologia de criptografia.
No dia 2 de março, foi encerrada a consulta pública lançada pelo Ministério da Justiça sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet, o conjunto de regras para usuários e empresas que utilizam a web no Brasil. Foram recebidas quase 1,5 mil contribuições para que o decreto tenha mudanças. Ficou clara a necessidade de mudanças no decreto. No entanto, em uma busca sobre as questões urgentes, é difícil encontrar algo que trate da segurança de dados.
As empresas estão mais interessadas em reclamar do poder da agência reguladora Anatel e discutir a entrega de velocidades distintas aos usuários de acordo com aquilo que eles estiverem acessando na rede.
Entendemos que na nossa sociedade em vigor, as questões econômicas - para a empresa e para o usuário - sejam urgentes. No entanto, não podemos deixar de lado a atenção para os dados. O que está em jogo são as informações do usuário que deveria ter direito à privacidade do conteúdo de seus aparelhos.
Uma vez que o Marco Civil dê à Justiça brasileira o direito de bloquear aplicativos ou prender executivos a fim de obter uma informação, nós usuários estaremos em risco. Parece óbvio que Justiça e a Polícia Federal tenham outros métodos de investigação para obter as informações que necessitam, sem que invadam a privacidade do usuário.
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