Você já deve ter reparado que algumas marcas optam por fazer sua
divulgação e sua interação com seu público de forma caseira. A
lanchonete nova que abriu e divulga seus produtos, a academia do bairro e
por aí vai. Muitos alegam a grana curta para não contratarem um
profissional de comunicação. Mas o barato pode sair caro. Quando a
intenção do pequeno empresário ultrapassa ter um canal para que o
cliente possa encontrá-lo e passa a querer fazer ele próprio a
estratégia e a inserção de conteúdo, ele pode vir a ter problemas.
No início de 2015 me matriculei num box de CrossFit em São Paulo, por lá
fiquei durante um ano. Encontrei pessoas muito dedicadas à modalidade,
profissionais sérios e preocupados com a execução técnica dos exercícios
e com responsabilidade com as cargas dos alunos. O ambiente, embora
muito mais cordial e menos narcisista do que qualquer academia de
musculação, é impregnado de machismo. Tentava ignorar isto, afinal eu
estava ali para praticar exercícios e finalmente tinha achado um que me
motivava. Encontrei uma boa professora e me aliei a ela para diminuir a
irritação com comentários do tipo "dê danoninho sem colher para o seu
filho desde cedo porque ele vai saber direitinho como fazer sexo oral".
Depois de um tempo, entrei no grupo do WhatsApp do tal box para receber
informações sobre osteopatas, promoções de pasta de amendoim e outras
particularidades de quem pratica este esporte. Na sexta-feira, a
clássica guerra dos sexos. Homens mandam fotos de mulheres bundudas e
peitudas, mulheres mandam um musculoso com barriga de tanquinho. Até aí,
sobrevivi.
A rede de boxes mantém no Facebook páginas com
informações em cada uma de suas unidades. Em um infeliz post sobre o
Dias Internacional das Mulheres, comemorado no dia 8 de março, o grupo
fez uma homenagem às frequentadoras dos boxes. Em uma ideia de mau gosto
de usar duplo sentido ou - quem sabe e como se defendem os sócios da
rede - por uma infeliz coincidência, planejaram o treino apenas com
Snatchs e disseram que o treino tinha sido desenhado especialmente para
as mulheres. Snatch, dentro do CrossFit, quer dizer arranco. Na gíria
popular americana, significa o órgão genital da mulher.
Pois bem, após uma mensagem de Feliz Dias das Mulheres no tal grupo do
WhatsApp, uma frequentadora de uma das unidades reclamou e pontuou o
machismo - proposital ou inconsciente - inserido naquele post na página
do Facebook. Contestou e criticou a necessidade de nós mulheres nos
posicionarmos e também de quem fez o post refletir sobre isso. Ela
sinalizou que o ambiente por si já é machista e reproduz o que a
sociedade faz lá fora do box. Algo que deveria ser minimamente ouvido.
Quem fez o anúncio foi um dos sócios da rede, que tem alguma outra
profissão além de ser sócio e praticante do esporte. Ele pode entender
muito de negócios e também de CrossFit, mas pareceu não entender nada de
planejamento e de gerenciamento de crise.
No mesmo grupo do WhatsApp ele deu a entender que não tinha feito piada
machista e que Snatch deveria ser lido como arranco. E que se a
sociedade é machista e se eles reproduzem isso ou não, ele não se
importa, nem vai opinar. Se eximiu da responsabilidade de assumir o erro
e ainda jogou a bola para a aluna - que antes de mais nada é uma
mulher, o público a quem a sua mensagem se destinava e cliente dele -
dizendo que devemos levar o mundo menos a sério.
Ora, além de
cometer o erro, diz que o público/cliente é que está errada em se sentir
ofendida. Não bastasse isso, um outro sócio veio defender o amigo - no
mesmo grupo de WhatsApp - com a justificativa de que "o mundo é da forma
que queremos ver". Além disso, ele disse que o sócio responsável pelo
post fica horas discutindo com a mulher sobre o que fazer com os posts. E
para colocar a cereja no bolo, insinuou que a aluna deveria pedir
desculpas ao autor do erro.
Ouvimos diariamente dos professores
desta rede de boxes o quanto é importante ter certificação para dar
aulas de CrossFit. O que é, no mínimo, responsável. Ouvimos lá dentro
críticas a blogueiras e instagrammers que, sem certificação adequada,
dão aulas e passam exercícios em suas redes sociais. Obviamente, algo
leviano e irresponsável.
Mas não seriam eles levianos e irresponsáveis quando tratam com
descaso o que é hoje a sua maior ferramenta de comunicação com os
alunos/clientes de suas unidades? Ora, se aquele é o canal para chegar
até o aluno e por isso deseja-se agradá-lo, homenageá-lo, mantê-lo
próximo, nada melhor do que contratar um profissional gabaritado para
tomar conta disto.
Se isto tivesse acontecido, provavelmente um
profissional de comunicação teria barrado a ideia do duplo sentido. Ou,
uma vez que a homenagem torta tenha sido "sem querer" ou inconsciente,
mas apontada pelo público, deveria haver uma retratação por parte da
marca. E não uma insinuação de que a aluna deveria se desculpar por ter
se sentido ofendida por uma ideia de girico.
O caso Quitandinha aconteceu faz pouquíssimo tempo e outras pessoas já escreveram brilhantemente sobre ele. Mas parece que ninguém aprendeu absolutamente nada.
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