quarta-feira, 12 de outubro de 2016

from: bela | to: fê



Oi, amiga!

Como está tudo aí? Você está bem? Está feliz? Teve bolo no seu aniversário? Já faz 5 anos que a gente não comemora juntas. Desde que você se foi eu fico confusa. Quero te homenagear no dia 7 de maio porque é quando nós aqui deste plano lembramos que você se foi. Mas lembro de você com mais alegria no dia 11. Você gostava dos aniversários, embora sempre ficasse tímida na hora do parabéns.

Nossa, Fê, desculpa eu ter levado tanto tempo para escrever novamente. Parece que quanto mais velhos ficamos, maior a autocrítica. Sentimos vergonha de tanta coisa... Bobagens da vida adulta.

Eu quis te escrever porque você me visitou no meu sonho. Lembro muito pouco. Passei a manhã inteira tentando me recordar dos detalhes e com a correria do dia já não me lembro de nada. Mas era um sonho bom, a gente se falava, conseguia se comunicar e eu fiquei muito feliz.

Logo depois da sua partida, você vinha me ver nos meus sonhos com freqüência, depois foi diminuindo... Esqueceu de mim? Ficou chateada com alguma coisa? Com raiva?

Olha, amiga, me desculpe se não dou toda a atenção do mundo para a sua mãe. Eu demorei um tempo, eu sei, mas agora a gente se fala no Whatsapp. Me sinto muito impotente quando me faltam as palavras para ela. Mas ela parece bem, tem uma nova criança que lhe da muito amor. Não sei quem ele é. Mas estão sempre juntos nas fotos do Facebook.

Ah, amiga, não sei se alguém te contou, mas o Dani está conseguindo realizar o sonho dele de viver de música. Ele participou este ano de um programa de novos talentos na tevê. Achei que você ficaria feliz em saber, mesmo ele tendo terminado daquele jeito estranho com você. A banda dele não ganhou o programa, mas eles conseguiram divulgar o trabalho e estão fazendo shows por aí. Fizeram um em São Pedro no fim de semana passado. Também vi no Facebook.

É, não to mais no Rio. Tem dois anos que vim para São Paulo. "Sempre indo para mais longe de mim", você me disse quando eu falei que quem sabe um dia viria. No fim das contas, você foi para bem mais longe, né? Nem sei como faço para ir aí te visitar. 

Como são os aniversários aí? Como é que se comemora? Tem algum ritual? Ou é só mais uma bobagem da vida terrena?

Tanta coisa aconteceu por aqui... não sei como é a vida aí, mas você faz muita falta do lado de cá. O mundo anda tão esquisito e as coisas aqui no Brasil... Me lembro de quando você estava estagiando no fórum e dizia que queria ser defensora pública. Acho que precisávamos de alguém como você numa defensoria. Tanta gente escrota fazendo quem tem menos passar perrengue. O Brasil está uma tristeza. Temos um presidente agora que tem como lema "retrocesso de 20 anos em 2". 

Os Estados Unidos perigam ter seu pior presidente. Um tal de Donald Trump. Aquele empresário. Um horror. O Reino Unido votou para deixar a Europa e está criando um muro para que refugiados não entrem lá. É verdade, esqueci de dizer, a Síria está em guerra há mais de 5 anos. Mais ou menos o mesmo tempo em que você partiu. Ta vendo, eu sempre digo, as coisas eram bem melhores quando vc estava aqui.

A novidade boa é que agora tenho meu cantinho. Ia ser legal se você pudesse vir me visitar um dia desses. Namoro uma menina que nasceu um dia antes de você. Vocês se parecem em algumas coisas. Rs

Queria passar uma tarde batendo papo com você, rindo e sei lá, tomando uma cerveja, uma caipirinha, um café. Sinto muita saudade. Espero que a gente possa se ver em breve.

Um beijo.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Projeto Genoma [parte II]

Respiro fundo com a notícia. Não esperava, mas não me choquei. Não bati a cabeça na parede como reagi quando Fernanda se foi. Também não gritei incrédula e inconformada. Processei a informação e contei para minha namorada, que acordou comigo falando em voz alta. Reportei a ela apenas, como faço no cotidiano do meu ofício. Sem drama, sem desespero. E isso me balançou.

Aline descobriu o câncer aos 20, durante a faculdade. Cursava Arquitetura na UFRJ. E por mais clichê que seja dizer que ela estava no auge da sua juventude, de fato estava. Tinha deixado uma vida inteira em Araruama para ampliar os horizontes no Rio.

Abri o Facebook. Vi lindas homenagens e então chorei. Finalmente. Foi um choro contido, mas o suficiente para eu relaxar e entender que meu quinhão de humanidade ainda me resta. Mesmo que o mundo cão que leio diariamente no meu trabalho me diga que não. 

Eu e Aline tínhamos uma diferença de 5 meses de idade. Nunca fomos próximas, nem quando me mudei para a cidade onde ela nasceu e morava. O que tínhamos em comum: a afinidade com Danilo. Afinidades diferentes, obviamente. E talvez essa disputa nos distanciasse mais do aproximasse. No fundo, queríamos afirmar a proximidade com ele. O primo mais velho que sempre causava com a sua excentricidade. O cara que usava saias e pintava as unhas de preto na tradicional família católica araruamense. Eles netos da mesma avó. Um laço forte. E eu que gostava de relacionar a minha excentricidade à dele.

O tratamento do câncer foi sofrido. Sete anos de idas e vindas ao hospital. Uma cirurgia que prometeu uma vida saudável. Retorno à vida cotidiana, faculdade, novo namorado. Câncer volta. Remédios foram ineficazes, descobriu-se. Nova cirurgia, outra promessa. Novo tratamento. Angústia, raiva, fé, desistência, artigos no Google, depoimentos encorajadores, depoimentos frustrantes. Emocional em frangalhos. 

Volto para o meu questionamento. Lembro de Diego. Lembro de Rodrigo. Passa uma semana e minha mãe vem me visitar. Rodrigo está mal novamente. Deprimido por ter de usar uma bolsa excretora. Minha mãe narra as novidades sombrias pelas quais ele passará e na minha cabeça azoes azinhos se multiplicam e martelam. Qual é a probabilidade? Somos 6 meninas e um menino. Os netos da vó Esmeralda. Teremos um de nós o quinhão da genética da bisa Edy?